Pensem num cara com um futuro brilhante. Esse é Benjamin Braddock (Dustin Hoffman), quase 21, recém-chegado de Berkeley. Ele é o orgulho dos pais, que vangloriam de suas conquistas na época de faculdade: capitão do time de cross-country, ganhador do prêmio Helpingham, redator do jornal de Berkeley, etc. Mas Ben não quer conta com essa bajulação. Ele não quer ser exibido como troféu, e quer menos ainda ser um escravo do relógio, com medo de se afundar no conformismo e na mesmice do mundo corporativo. “Quero que seja... diferente”, diz ao pai, em relação ao seu futuro. O quadro que a gente avista logo quando Ben sai do quarto, praticamente carregado pelos pais, é um símbolo de sua condição. É uma pintura de um palhaço em preto e branco, com um rosto sério. Esse é Ben, forçado a bancar um bobo da corte no planeta bidimensional dos adultos.
A coisa muda quando Ben é seduzido pela mulher de um sócio do pai, a famosa Mrs. Robinson (Anne Bancroft). No começo Ben bem que tenta se esquivar dos encantos dessa mulher madura, que foge ao tédio de um casamento com um homem que nunca amou. Ben eventualmente cede aos avanços dessa senhora e, desengonçado, marca o primeiro encontro que culmina no affair dos dois. Se eu falar mais perde a graça: o que posso dizer é que desse ponto em diante A Primeira Noite de um Homem se torna um excelente tratado daquele terreno espinhoso que é o conflito entre gerações. Ben encarna o paradoxo do jovem que sofre pressão para se tornar um membro respeitável do establishment, quando ele próprio rejeita ferozmente esses valores. Ben define bem seu desconforto quando diz à Elaine (Katharine Ross), filha dos Robinsons: “Eu estava em um jogo onde as regras não faziam sentido. Foram feitas pelas pessoas erradas.” Esse eterno descompasso das expectativas dos adultos com os anseios dos jovens sempre deu pano pra manga, e é especialmente relevante considerando o ano em que Primeira Noite foi filmado – 1967 – quando a juventude ao redor do globo ardia por mudanças. O filme foi indicado para sete Óscares, incluindo os de Melhor Ator (Hoffmann), Melhor Atriz (Bancroft) e Melhor Filme. Mike Nichols levou a estatueta de Melhor Diretor para casa.
Nichols (que depois fez Closer – Perto Demais) ficou “obcecado” pela música do Simon & Garfunkel enquanto filmava The Graduate. Um dos maiores representantes do folk-rock americano (junto com Bob Dylan e o The Byrds), essa dupla nova-iorquina é autora dos hits “The Sound of Silence” e “Mrs. Robinson”, centrais pra a trama. Pescando um pouco na matemática, eles dão o suporte narrativo aos eixos “x” e o “y” da história: a alienação de Ben e seu romance proibido. Através do contraste entre Simon & Garfunkel e o lounge music de Dave Grusin, que combina ritmos latinos com jazz, Nichols explora bem com a dinâmica tensa entre as duas gerações de Braddocks e Robinsons.
O filme foi pioneiro em usar música pop para evidenciar a psicologia interna dos seus personagens, dando a voz à preocupações que a platéia só percebe de forma implícita. Na cena inicial de A Primeira Noite de um Homem damos de cara com a expressão vazia de Ben e dos outros passageiros do avião. Daí seguimos para uma cena com Ben sozinho na esteira do aeroporto, ao som de "Sounds of Silence". A canção é dirigida à "maioria silenciosa", expressão popularizada por Richard Nixon (1913-1994) quando ele pediu, num discurso presidencial, apoio à aquele americano médio que era à favor da Guerra do Vietnã e via a contracultura como um ataque aos valores tradicionais do país. Paul Simon denuncia essa apatia muda - ela "cresce como um câncer", diz a letra.
A Primeira Noite de um Homem é um dos grandes na historia do cinema. Não só faturou alto, como aparece até hoje nas listas de “100 melhores” – combinação rara. A razão é simples: apesar de seus 40 e tantos anos, seus temas e tramas continuam atuais. Haverá sempre Benjamins, querendo fazer do mundo um lugar mais sincero e menos hipócrita. Também haverá sempre quem aprecie boa música, e pra isso temos o Simon & Garfunkel.
O Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.
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Trilha sonora maravilhosa. A cena da esteira, essa do video, é clássica. O rosto entediado do Dustin Hoffman rivaliza com a do Bill Murray em Lost in Translation, hehe.
Abraço.
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