Crítica: Clube da Luta (trilha sonora)
“A propaganda põe a gente pra correr atrás de carros e roupas. Trabalhamos em empregos que odiamos para comprar merdas inúteis. Somos uma geração sem peso na história, sem propósito ou lugar. Não temos uma Guerra Mundial. Não temos a Grande Depressão. Nossa Guerra é a espiritual, nossa Grande Depressão são nossas vidas. Fomos criados pela TV para acreditar que um dia seríamos milionários e estrelas de cinema. Mas não seremos. Aos poucos tomamos consciência desse fato. E estamos muito, muito putos com isso.”
É com esse discurso que Tyler Durden (Brad Pitt) abre mais um encontro semanal do Clube da Luta. Na origem dessa revolução underground está a vidinha insípida de um funcionário de colarinho branco (Edward Norton), preso nos encantos de uma vida materialmente confortável, porém, moralmente dúbia e superficial. Casamento, emprego – nada disso lhe completa. Seu vazio existencial lhe dá uma insônia tenebrosa que já dura meio ano. Esse personagem sem nome de Norton (boa sacada, já que ele poderia ser qualquer um) finalmente encontra seu “sonífero” freqüentando grupos de ajuda. Tuberculose, alcoólicos anônimos, testículo de câncer: pense, e ele já foi... Mas sua paz dura pouco. Ela acaba no exato minuto que ele conhece Marla Singer (Helena Bonham Carter), uma “impostora” que nem ele. Coincidência ou não, surge um Yang para balancear esse Yin incômodo: Tyler Durden, um gênio da subversão que funda num porão imundo o revolucionário clube de boxe que tanto falamos. De uma catarse coletiva em forma de pancadaria, o Clube acaba evoluindo para... Ná... Vejam o filme!
Como muitas obras marcantes e contestadoras, o Clube da Luta passou incompreendido por muitos. Teve gente que – burramente – achou que o filme era fascista, ou que se resumia à porrada e atavismo hi-tech. Não é nada disso. Assim como outros clássicos – A Primeira Noite de Um Homem (1967), minha resenha passada – o filme trata da rejeição de uma geração dos valores falidos de uma outra. Vejo refletido no filme a minha própria insatisfação – e a de muita gente que conviveu comigo – com essa sociedade hipermoderna, que coloniza nossa subjetividade sem tréguas. Isso sim é fascismo – ou, nas palavras de Gilles Lipovetsy, “um totalitarismo light.”
A curta estadia de Clube da Luta no Brasil foi abalada por causa de um estudante de medicina – baiano, por sinal – que resolveu disparar na platéia durante uma das sessões do filme no cinema do Morumbi Shopping (SP). É “curioso” como a mídia conservadora sempre usa desses eventos trágicos – e aleatórios – pra abafar com sensacionalismo a mensagem subversiva desse libelo anticapitalista. E se o tiroteio tivesse acontecido em Toy Story 2, quem seria o bode expiatório? Culpem a psicose do rapaz, não o filme...
David Fincher (também diretor de A Rede Social e O Curioso Caso de Benjamin Button) contatou os famosos Dust Brothers para fazer a música de Clube da Luta. Só pra ter uma idéia, no currículo desses dois constam produções do Beastie Boys, Beck e o Rolling Stones, fora os zilhões de remixes que eles já fizeram (Ben Harper, Korn, Offspring, Technotronic e outros). A dupla finalmente recebeu um Grammy por “Álbum do Ano” pelo trabalho feito em Supernatural (2000), de Carlos Santana, aquele que tem “Smooth”, o hit cantado por Rob Thomas do Matchbox 20...
A música por trás de Clube da Luta é temperada com batidas hip-hop contagiantes do grupo e os recortes e recombinações de samples que fizeram de Paul’s Boutique (1989) do Beastie Boys um clássico e de Odelay (1996) de Beck um dos álbuns mais comentados dos anos 1990. A diferença aqui é o clima soturno que prevalece na maioria das faixas.
Quem conhece o filme vai perceber logo de cara que o disco não segue a ordem da trilha. Uma das melhores vem logo de cara, “Homework”, com seu groove agressivo e um wah-wah insistente. Ela aparece quando os membros do Clube da Luta começam a sabotar a "arte corporativa" pela cidade. “Marla” com seu Fender Rhodes é a mais suave dos faixas, transpirando o alívio que ele começa a sentir freqüentando os grupos. Mas “a culpa disso tudo começar” logo invade seus preciosos grupos de apoio, e a música empena. “Corporate World” é uma bossa-nova engessada, uma paródia musical da felicidade plástica do mundo consumista. “Costumávamos ler pornografia. Agora era catálogo de loja,” diz o protagonista. “Commissioner Castration” é atravessada por uma cítara num loop sombrio com uma batida pesada, e depois cai num jazz igualmente soturno.
Assim como a direção de David Fincher e o livro de Chuck Palahniuk, a música do Dust Brothers é intricada, inteligente e cheia de punch. O Clube da Luta, pra mim, é a bíblia de uma geração. A música também encapsula a vida sonora dessa geração - de drum 'n' bass à thrash metal à ambient, essa é a música de quem lê entre as linhas.
O Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.
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