Crítica: Aguirre, a Cólera dos Deuses (trilha sonora)

27 de agosto de 2010 0 Comente Aqui!


A abertura de Aguirre é impressionante. De início, a câmera de Herzog capta umas formas minúsculas marchando por um penhasco coberto de nuvens. Um close-up revela, aos poucos, que essa “trilha de formiga” é na verdade uma caravana do século XVI, serpenteando pelos Andes. O cenário vertiginoso e a música, grandiosa e melancólica, parecem anunciar o destino trágico dos aventureiros europeus, prestes a serem engolidos pela natureza selvagem do Novo Mundo.

O cenário de Aguirre é familiar – a história de conquistadores espanhóis que se embrenham no meio da selva amazônica à procura da El Dorado, dizimando civilizações inteiras no processo. A expedição acaba condenada pela cobiça e loucura de Don Lope de Aguirre (Klaus Kinski), que elimina qualquer um que fique no caminho da conquista da lendária cidade de ouro. É difícil não ser afetado pelo clima incrivelmente desolador do filme; não dá pra afastar a sensação de que o Todo Poderoso abandonou Aguirre para morrer pelos seus pecados, sozinho, esquecido nas entranhas do Amazonas.

Entre seus triunfos, Aguirre, a Cólera dos Deuses foi eleito como um dos cem melhores filmes já feitos pela revista Time, e exerceu forte influência sobre Apocalypse Now (1979) de Francis Ford Coppola. Aguirre foi a primeira colaboração entre Werner Herzog com Klaus Kinksi, a quem Herzog também dirigiu em Nosferatu, o Vampiro da Noite (1978) e Fitzcarraldo (1982), outro marco do cinema alemão. A relação de amor e o ódio entre os dois é lendária, rendendo até um documentário, Meu Melhor Inimigo (1999), do próprio Herzog.

Herzog estabeleceu desde o final dos anos 1960 uma colaboração com o Popol Vuh, o primeiro grupo alemão a usar o famoso sintetizador Moog, no disco Affenstunde (1970). Dentro da kosmische musik alemã, os discos do Popol Vuh são notáveis por misturar os sons “espaciais” de sintetizadores com instrumentos acústicos – tipo violões, cítaras e os mais variados tipos de percussão. Alguns críticos apontam o Popol Vuh como um dos projetos musicais decisivos para a criação do new age. Vocês sabem: Yanni, Enya, Enigma, Loreen McKennitt, Kitaro...

“Aguirre”, o tema de abertura do filme, é conduzido por um pulso eletrônico e um coro angelical, supostamente produzido por um Mellotron, um dos primeiros teclados a trabalhar com samples. “Aguirre” contém em si o prenúncio da tragédia; ela traduz com precisão a dimensão sublime e ao mesmo tempo fatalista da história. “Flöte” registra a flauta de pã tocada por um nativo peruano, logo depois que Aguirre lidera o motim. A faixa título recebe um segundo tratamento mais adiante, dessa vez com uma combinação violão + guitarra que lembra as melhores jams do Led Zeppelin.

O restante da trilha é confusa na seleção de faixas. O álbum inclui músicas inéditas gravadas entre 1972-1974, e até coisas de outros discos. É o caso de “Morgengruß II”, uma versão quase idêntica à de uma música do Einsjäger und Siebenjäger (1974). A versão atual de Aguirre, devidamente remasterizada e relançada, vem de bônus com “Spirit of Peace 1-3”, três meditações sonoras sob piano solo gravadas uma década depois de Aguirre.

Werner Herzog sempre reclamou que a qualidade da música dos filmes que produziu nunca foi reconhecida, e a grandeza musical do seu amigo Florian Fricke, do Popol Vuh, foi injustamente ignorada. Numa tímida tentativa de reparar esse erro, fiz questão de escrever essa resenha de hoje. Uma grande música para um grande filme, digo a vocês.

O Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.

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