Crítica: Uma Jogada do Destino (trilha sonora)

8 de julho de 2010 2 Comente Aqui!

Uma Jogada do Destino conta a história de quatro amigos (interpretados por Cuba Gooding Jr., Emilio Estevez, Stephen Dorff e Jeremy Piven), que vão juntos para ver uma luta de boxe. Presos no trânsito e com medo de perder a luta, eles são convencidos pelo motorista, Ray Cochran (Piven), a pegarem um atalho. Os amigos acabam se perdendo num bairro desconhecido e, por azar, presenciam uma “queima de arquivo”. Daí em diante eles são perseguidos implacavelmente pela gangue assassina e seu líder, Fallon (Denis Leary). A crítica arrasou o filme, mas a trilha sonora foi bem recebida. Engenhosos, os produtores da trilha tiveram a proeza de reunir o crème de la crème do rock alternativo com medalhões do hip-hop, algo insólito naquele tempo.

Ok, minto: a fusão rap / rock já não era uma novidade, nem naquela época. Exemplos abundam. Lembro de cabeça “No Sleep Till Brooklyn” (Slayer / Beastie Boys), “Bring the Noise ‘91” (Anthrax / Public Enemy) e o Body Count, projeto heavy metal do rapper Ice-T. Mas o time de Happy Walters, Glen Brunman e Amanda Scheer elevaram esse crossover a um novo patamar (Judgement Night foi disco de ouro nos EUA e no Canadá). Esse cruzar de barreiras, por bem ou por mal, deu origem ao Korn, Limp Bizkit, Linkin Park e tantos outros wiggers.

Testosterona e paranóia urbana é a receita de “Just Another Victim”, da dobradinha Helmet / House of Pain, começando o disco com uma porrada certeira. Apesar de seus bons momentos, dá pra perceber claramente que esse híbrido são duas músicas distintas, coladas. A primeira é o noise rock do Helmet, na melhor fase da carreira, depois do ótimo Meantime (1992); a segunda é do House of Pain, atualmente conhecidos por serem o primeiro grupo de DJ Lethal, hoje comandando os pick-ups do Limp Bizkit. Juntos o Living Colour e Run-DMC funcionam melhor, e por motivos óbvios. Em 1993 o Run-DMC já era veterano nesse caldeirão rap-rock, carregando debaixo do braço o mega-sucesso “Walk This Way” (com o Aerosmith). O Living Colour tira de letra esse aparceiramento, sempre hábeis em balancear hard rock e black music. “Judgement Night” do Onyx e Biohazard é uma colaboração igualmente orgânica, até porque a marca registrada do último é a mistura do hardcore nova-iorquino com hip-hop. O Slayer faz um medley nervoso do Exploited (“War” + “UK ‘82” + “Disorder”) com participação de Ice-T. Numa sacada boa, o refrão de “UK ‘82” é mudado pra “LA ‘92”, em referência aos tumultos raciais que abalaram Los Angeles, causados pela absolvição dos policiais que espancaram Rodney King. Calcula-se que o estrago sofrido pela cidade depois dos saques, espancamentos e destruição em geral foi estimado na ordem de um bilhão de dólares.

Pareado com o Boo Yaa Tribe, o Faith No More vem com sua mistureba insana de sempre – nos primeiros 30 segundos de "Another Body Murdered" somos bombardeados com: 1) uma melodia nebulosa de piano; 2) um riff thrash metal e 3) Mike Patton entoando o que pra ele deve ser um cântico árabe. E o FNM consegue, com a ajuda do Boo Yaa Tribe, fazer sentido dessa cacofonia dadaísta. Mais esquisita que essa – ou qualquer outra! – é a parceria do Sonic Youth com o Cypress Hill. Só de imaginar esses dois no mesmo estúdio me dá um tilt na cabeça. Apesar dos apesares, a coisa funciona: o Sonic Youth contribui com doses homeopáticas do seu noise espasmódico enquanto os MCs do Cypress Hill fazem (pra variar) uma ode a “erva maldita”. O refrão reveza entre os rappers declarando “I Love You Mary Jane” e Kim Gordon, baixista do Sonic Youth, sussurrando “Sugar Come By and Get me High”. Em outros casos a mistura gera apenas resultados satisfatórios; falta um pouco do brilhantismo que esperamos desses artistas. É o caso do Mudhoney com o Sir-Mix-A-Lot, do Pearl Jam com o Cypress Hill ou Therapy e Fatal.

Nem tudo em Judgement Night acaba em morte, tiroteios ou a combustão de ervas malditas. A parceria De La Soul e Teenage Fanclub é quase um oásis de tranqüilidade em meio a tanta brutalidade sonora. Relaxada na sua cadência e melodiosa na articulação, “Fallin’” costura uma harmonia vocal a lá Beach Boys (influência assumida do Teenage Fanclub) com o rap de Plug One (Kevin Mercer) e Plug Two (David Jude). A letra é uma meditação sobre os erros do passado e um novo começo... Talvez uma reflexão sobre a vida debaixo dos holofotes? “Fallin’” introduz Uma Jogada do Destino – sendo mais específico, o idílico e ensolarado subúrbio de Chicago onde o protagonista, Frank Wyatt (Emílio Estevez), mora com sua família. A música reaparece no final (feliz?) onde Wyatt, entre mortos e feridos, se reúne à sua mulher e filho. Nessa linha, o Dinosaur Jr. e Del the Funky Homosapien também fazem bonito com “Missing Link”.

Não sou um grande fã de “hip-rock”, mas digo pra vocês: Judgement Night é uma das melhores trilhas lançadas durante os anos 1990. Diria até que é uma das melhores trilhas – ponto. Imaginaram juntar Pearl Jam, Sonic Youth, Faith No More e Living Colour no mesmo disco? Ou Cypress Hill, Run-DMC, Sir-Mix-A-Lot e Onyx? E todo mundo contribuindo com inéditas?

Pois é. Imperdível.

O Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.

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