Colaboração do Amigo Ivanildo Pereira - O Blog Que Não Estava Lá
A
certa altura de “007 Contra Octopussy”, James Bond (Roger Moore) se disfarça de
palhaço, com maquiagem e tudo, para escapar dos policiais que o perseguem. Essa
cena é emblemática da carreira de Moore como o agente secreto mais famoso do
cinema. É possível imaginar outro dos intérpretes de Bond fazendo essa cena?
O
fato é que o James Bond de Roger Moore se caracterizou, sobretudo, pelo humor.
Isso se deu em decorrência da própria personalidade do ator. Quando Sean
Connery atirava num dos seus inimigos nos seus filmes como 007, o público
acreditava que ele estava matando alguém. Com Moore, não: o ator tinha um jeito
muito boa-praça e irônico para interpretar um agente com verdadeira licença
para matar. Por isso, os filmes nessa época se adequaram à personalidade do
ator principal.
1983,
o ano de lançamento de “007 Contra Octopussy”, foi especial para a carreira de
Roger Moore no personagem. Primeiro, completou-se dez anos dele como Bond (sua
estreia fora em “Com 007 Viva e Deixe Morrer” de 1973). Ninguém ficou no papel
por mais tempo do que ele. Porém, o contrato dele havia chegado ao fim no filme
anterior, “007: Somente Para Seus Olhos” (1981). Testes com outros atores chegaram
a ser realizados, até que por fim Moore decidiu voltar para seu sexto Bond-filme.
A
trama de “Octopussy” é colocada em movimento por um bom e velho MacGuffin: o valioso ovo Fabergé, uma
das joias mais valiosas do mundo, encontrado nas mãos do agente 009,
assassinado em Berlim Oriental. Seguindo o rastro do ovo, Bond vai à Índia,
onde conhece o negociante Kamal Khan (Louis Jourdan). Khan se aliou ao general
russo Orlov (Steven Berkoff) e à misteriosa Octopussy (Maud Adams) num plano
que pode iniciar a Terceira Guerra Mundial. Em meio a muita aventura e suspense,
Bond escapa de um safári, corre contra o tempo para desarmar uma bomba e ainda
acha tempo para visitar a ilha de Octopussy, povoada exclusivamente por
mulheres lindas.
“Octopussy”
é interessante entre os Bond-filmes de Roger Moore porque ele representa um
meio-termo. O anterior, “Somente Para Seus Olhos”, é bem sério e realista, um
retorno ao estilo dos primeiros filmes com Sean Connery. Foi feito assim como
uma reação ao estilo exagerado de “007 Contra o Foguete da Morte” (1979), seu
predecessor. Em “Foguete da Morte”, Bond ia ao espaço para salvar o mundo de um
vilão com planos de destruí-lo, e o filme continha todos os exageros e humor a
que tinha direito.
“Octopussy”
não é nem de longe tão sério quanto “Somente Para Seus Olhos”, mas também não é
tão absurdo e autoparódico quanto “Foguete da Morte”. Esse meio-termo até que
funcionou neste caso. O longa, em seus melhores momentos, tem um clima envolvente
de thriller da Guerra Fria e é bem
conduzido pelo diretor John Glen (que viria a comandar todos os Bond-filmes da
década de 80).
A
trilha do veterano maestro John Barry é estupenda, como sempre (só não
conseguiu fazer funcionar a canção de abertura, a fraquinha “All Time High”
interpretada por Rita Coolidge). Jourdan e Berkoff são canastrões divertidos e
as bondgirls da vez (Maud Adams e
Kristina Wayborn) são tão deliciosas quanto inexpressivas. Uma curiosidade:
Adams já havia aparecido na série em “007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro”
(1974) no papel da namorada do vilão Scaramanga. Foi a única que foi bondgirl duas vezes... E Roger Moore,
obviamente, já está mais do que confortável no papel. Embora já esteja
claramente velho demais para viver um herói de ação pegador, o ator tem carisma
e faz de “Octopussy” uma experiência divertida. Caso tivesse se aposentado de
007 com esse filme, Moore teria deixado a série de uma forma digna – pena que
inventou de fazer mais um, o fraco “007 Na Mira dos Assassinos” (1985), onde já
não havia mais como disfarçar a sua idade.
Em
pelo menos um aspecto “Octopussy” é espetacular: nas proezas das sequências de
ação. Dois momentos se destacam: a perseguição do lado de fora do trem (uma
cena que quase custou a vida do dublê Martin Grace quando ele colidiu com um
poste na lateral dos trilhos) e o final, quando Bond, a cavalo, alcança o avião
dos vilões decolando e se agarra à fuselagem. Vistos hoje, esses momentos nos
relembram a importância, no cinema de ação, de fazer as cenas perigosas de
verdade sempre que possível. Para gravar essas cenas, alguns dublês insanos
realmente ficaram pendurados do lado de fora de trens e aviões, e ver alguém
fazendo isso para valer sempre tem mais impacto do que qualquer computação
gráfica atual.
Momentos
grandiosos como esse fazem valer a pena assistir a “007 Contra Octopussy”, que
acabou servindo como validação para Roger Moore. Explica-se: no mesmo ano de
1983, o produtor Kevin McClory, dono dos direitos sobre a história
“Thunderball” (que havia co-escrito junto com o criador de James Bond, Ian
Fleming), conseguiu lançar a sua refilmagem de “007 Contra a Chantagem
Atômica”. O filme foi intitulado “Nunca Mais Outra Vez” e, surpreendentemente,
McClory conseguiu convencer Sean Connery a voltar ao papel e interpretar um
Bond cinquentão. De repente, o público tinha dois Bonds para assistir – e como
se observa pela bilheteria, preferiu Moore e “Octopussy”. Isso demonstra o
quanto o ator e seu estilo de 007 haviam conquistado o público.
Na
cena do circo, todos riem do palhaço Bond à procura da ameaça mortal. No cinema,
ocorria um processo semelhante. Apesar da Guerra Fria, aquela época era mais
simples e os filmes de 007 representavam o máximo de entretenimento escapista. Roger
Moore só tinha a pretensão de divertir o público, e tinha a visão clara do tipo
de filme que fazia. Por isso, foi o único Bond a não ter vergonha de se vestir
de palhaço.
Trailer do Filme:
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