Nunca a máxima de Andy Warhol – “um dia, todos terão direito a 15 minutos de fama” – esteve tão ao alcance de nós, meros mortais. Ligue a televisão a qualquer hora do dia e a prova vai estar lá, gritante. A enésima edição do BBB, Glee, os candidatos à American Idol, Lady Gaga, etc., etc. O mundo debaixo da luz dos holofotes é sedutor pra quem vê de fora, mas é nos bastidores que as coisas rolam: os “testes de sofá”, os vícios que destroem carreiras, as histórias de vidas perdidas. Hollywood explora esse lado sombrio da calçada da fama faz tempo: temos o clássico de Billy Wilder, Crepúsculo dos Deuses (1950), nesse departamento. Mas deixemos nas mãos hábeis de Alan Parker o explorar da agonia e do êxtase que se esconde por trás da indústria de celebridades – em Fama (1980).
Depois de chocar o mundo inteiro com O Expresso da Meia Noite (1978), o diretor britânico recebeu da MGM um roteiro chamado Hot Lunch, centrado no cotidiano da High School of Performing Arts, uma escola pública de Nova Iorque com um currículo especializado em dança, teatro e música. (No meio das filmagens Parker mudou o nome da produção para Fame. Descobriu um filme “educativo” passando na cidade com o mesmo título.) Aqui está o diferencial de Fama: o filme é um estudo sobre artistas em formação, suas primeiras glórias, seus primeiros fracassos. O roteiro de Christopher Gore foi inspirado por A Chorus Line (1975), uma “meta-peça” da Broadway que eventualmente se tornaria Em Busca da Fama, invadindo as salas de cinema dez anos depois. Fama surgiu na esteira de outros sucessos do gênero “musical / dança” tipo Embalos de Sábado à Noite (1977), Grease – Nos Tempos da Brilhantina (1978) e O Show Deve Continuar (1979).
Além da pressão de ser famoso, Fama amplifica os conflitos adolescentes dos seus protagonistas. Se Christopher Gore enfatizou o ambiente festivo e empolgante da escola, Alan Parker – sendo Alan Parker – quis focar no lado não-tão-ensolarado da instituição. E a pauta é grande: mães castradoras, pais ausentes, sexo, drogas, religião, aborto, homofobia, racismo... Não é à toa que a diretora do colégio ficou com medo que Alan Parker transformasse a Performing Arts numa prisão turca. Resultado: o diretor foi proibido de entrar na escola. Teve de realocar a produção e reconstruir as salas, os corredores e os estúdios da Performing Arts em outro colégio.
Críticos babaram quando Fama saiu, elogiando a “vitalidade” e “energia” do filme. A espinha dorsal desse sucesso foi o otimismo inebriante da trilha, assinada por Michael Gore. E o carro-chefe dessa celebração contagiante foi a música título (“Fame”), #1 lugar no Disco-Top 60 da Billboard e receptora do Oscar de melhor canção original de 1980. Ela deslanchou a breve carreira de Irene Cara, por sinal ex-aluna da High School of Performing Arts. O disco da trilha foi igualmente bem-sucedido, em pouco mais de um ano vendendo 1 milhão de cópias, quando Fama já tinha perdido seu brilho nas bilheterias. O álbum também venceu a disputa pelo Oscar daquele ano. A BAFTA, o Globo de Ouro e o Grammy tomaram nota, e a colocaram Fame nas listas de melhores do ano.
Ironicamente, quando Michael Gore mostrou um esboço de "Fame" para Alan Parker, ao piano, ele a detestou. Foi só quando o diretor ouviu a música completa, com guitarra, vocais e "cozinha", que ele se convenceu. Outra ironia, mais sutil, envolve a história de "Fame". Naquela famosa cena onde os alunos da escola dançam no meio da rua, a música nem tinha sido feita ainda. É Donna Summer ("Hot Stuff") nos alto-falantes do taxista, pai de Bruno Martelli (Lee Curreri), o tecladista da turma. "Fame" foi composta em cima do BPM (batidas por minuto) de "Hot Stuff" para não perder a sincronia das danças.
Outra música além de "Fame" cantada por Irene Cara foi indicada ao Oscar: “Out Here On My Own”, balada ao piano que versa sobre a solidão que acompanha a ascensão ao estrelato. Destaco também "Is It Ok If I Call You Mine?" de Paul McCrane, que interpreta Montgomery MacNeil, um aspirante à ator que pena em "sair do armário". McCrane fez o seu teste de elenco com essa música, e Alan Parker gostou tanto do que ouviu que ela parou no filme. Montgomery toca essa canção num momento de solidão, no seu apartamento com a vista para o Times Square. É quando percebe que ele perdeu seu espaço nas vidas de Doris Finsecker (Maureen Teefy) e Raul Garcia (Barry Miller). Fama termina com "I Sing the Body Electric", a peça orquestral que reúne os protagonistas mostrando seus respectivos talentos. "I Sing the Body Electric" pegou o título emprestado de um poema de Walt Whitman (1819-1892), pai do chamado "verso livre" (versos sem restrições métricas), que influenciou gente do calibre de Fernando Pessoa (1988-1935).
Nos extras do DVD, Alan Parker conta o seu orgulho de ter lançado o filme pela Metro-Goldwyn-Meyer, um estúdio de tradição forte em musicais, contando no seu catálogo O Mágico de Oz (1939), Cantando na Chuva (1952) e Gigi (1958). Parker rende pequenas homenagens à tradição. Numa cena filmada no metrô, Coco Hernandez (Irene Cara) está sapateando "Singin' In the Rain" numa poça d'água. A outra homenagem é mais atual: é feita para The Rocky Horror Picture Show (1975), um dos filmes cult mais longevos da história.
Num tempo onde ser famoso não é mais sinônimo de talento e sim de notoriedade, Fama nos lembra que carreiras eram construídas na base do suor e sangue – e que todo esse esforço não era garantia de nada.
E como era a letra da música mesmo?
“I wanna live forever / I gonna learn how to fly / I’m gonna make it to heaven / Light up the sky like a flame / I’m gonna live forever / Baby remember my name / Remember / Remember / Remember…”
E conseguiram.
O Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.
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