Crítica: Taxi Driver – Motorista de Táxi (trilha sonora)

5 de agosto de 2010 1 Comente Aqui!

Travis Bickle (Robert De Niro), segundo ele próprio, é “o homem solitário de Deus”; um veterano do Vietnã que passa suas madrugadas insones perambulando por Nova Iorque. Travis decide virar um taxista pra se manter ocupado, tentando afugentar o tédio de seus longos dias. “Fico zanzando à noite. De metrô, de ônibus... e pensei que poderia ser pago para fazer isso”, diz na sua entrevista de emprego. Sua escolha profissional esconde outro motivo: o taxista sonha em varrer as ruas da “escória” que vê todas as noites (“putas, bichas, traficantes, viciados”). Seu jeito de ficar de olho nesses “animais” (palavras dele) é circular pelos bairros mais barra pesada do centro – o sul do Bronx, o Harlem. A vida de Travis dá uma reviravolta quando conhece Betsy (Cybill Sheperd), uma ativista política e Iris (Jodie Foster), uma prostituta de 12 anos. A relação conturbada dele com elas dará o senso de direção que sua vida precisava, algo que o transformará em meio monstro, meio herói.

A trajetória de Taxi Driver nos cinemas foi seguida de polêmica, não só pelo seu final sangrento, mas também pela perturbadora ambigüidade que o diretor (Martin Scorsese) e o roteirista Paul Schrader mantêm diante dos delírios psicóticos do taxista. A história original era tão forte que o filme ficou na geladeira por três anos. Foi só depois de Marty Scorsese fazer o elogiado Caminhos Perigosos (1973) e De Niro ganhar um Oscar pelo seu papel em O Poderoso Chefão II (1974) que a Columbia Pictures deu o sinal verde para a produção começar. Foi um risco que valeu à pena: Taxi Driver é hoje considerado um clássico moderno, sendo indicado a quatro Oscares. (Não ganhou nenhum. Se bem que Cidadão Kane foi nomeado para nove e só ganhou um...)

Taxi Driver pode ser encarado como um retrato do espírito americano na era pós-Watergate, prestes a dar uma guinada á direita. Desmoralizados com derrota no Vietnã e a renúncia de Richard Nixon, o povo americano ansiava por mudanças, mas não aquelas oferecidas pela contracultura dos anos 1960. A visão “gótica” que Scorsese e Schrader imprimem ao Big Apple reflete esse contexto sócio-histórico, mas não se limita a isso. Ela também espelha a confusão mental de Travis. A decadência generalizada da metrópole, as suas ruas sujas e alagadas, sua criminalidade desenfreada, tudo isso agride o puritanismo psicopata do taxista. O vapor saindo dos bueiros, um elemento visual constante no filme, carrega em si um simbolismo bastante sugestivo: é como se, logo abaixo do asfalto, as caldeiras do inferno estivessem ardendo ao máximo.

Para Scorsese, Bernard Herrmann foi sua primeira e única opção. Mesmo diante do lendário gênio difícil do compositor, Scorsese conseguiu convencê-lo a participar do projeto. Também pudera: “Bernie” estava passando por um período difícil. Enfrentava certo ostracismo depois da ruptura com Hitchcock, uma parceria que rendeu clássicos a lá Janela Indiscreta (1954), Um Corpo Que Cai (1958) e Psicose (1960). Apesar de sua saúde debilitada, Herrmann queria se mantiver ativo até o fim de seus dias, e topou fazer a trilha depois de ler o roteiro de Schrader.

Para comunicar ao público a sensação do que seria estar na pele de Travis durante suas rondas noturnas, Herrmann elege o jazz como carro chefe, um idioma pouco explorado pelo compositor no passado. Apesar desse “porém”, a música capta perfeitamente o clima do filme. Dos vários temas, o que mais se destaca é aquele guiado por um sax solitário. Ele aparece freqüentemente associado às suas rondas noturnas e à Betsy. Outro são as marchas que aparecem aqui e acolá, fazendo uma conexão entre seu passado militar e a raiva que ferve dentro dele, prestes a explodir. Essas marchas primeiro aparecem em “Cleaning the Cab”, onde Travis reclama que, no final do expediente, sempre têm que limpar a porra e o sangue deixados pelos seus clientes no banco de trás do táxi. Outra marca da trilha de Taxi Driver é que, no decorrer do filme, a música vai ficando cada vez mais opressiva, criando um paralelo sonoro com a crescente loucura de Travis Bickle.

Estranhamente, uma peça para uma cena crucial do filme, “Late For the Sky”, de Jackson Browne, ficou de fora da trilha. Ela dá voz à tristeza de Travis, assistindo sozinho em casa aqueles casais alegres dançando na tevê. Em compensação, foram incluídas interpretações disco de alguns dos temas principais da trilha, pelo jazzista e produtor Dave Blume. Os fãs de Herrmann desancaram essas versões, por achar que eram uma concessão comercial desnecessária; além do que elas nem aparecem no filme.

Taxi Driver foi o último filme de Bernard Herrmann, que faleceu um dia depois de completar o score. Depois de passar trinta anos ignorado pelo Oscar, o compositor conseguiu duas nomeações póstumas – por Taxi Driver e Trágica Obsessão (1976), de Brian De Palma. Seu final de vida prova o quanto Herrmann foi um artista excepcional. Não só conseguiu se reinventar e ter sua música re-reconhecida, mas partiu desse mundo idolatrado por uma geração de cineastas revolucionários, a chamada “Nova Hollywood” – gente como George Lucas, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola.

De cabeça erguida Herrmann saiu do palco da vida. Como poucos.

O Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.

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