Crítica: Três Homens em Conflito (trilha sonora)
Um marco do cinema mundial, Il Buono, Il Cattivo, Il Brutto redefiniu o western como gênero e introduziu ao grande público a música genial de Ennio Morricone. A sinopse: em plena Guerra Civil americana, três pistoleiros vão à caça de um tesouro ianque. Cada um deles tem uma pista de onde ele está enterrado e, entre trapaças e muita malandragem, tentam passar a perna num do outro pra ver quem entrega o ouro. Além das ótimas atuações de Lee Van Clef e Eli Wallah, o ainda pouco conhecido Clint Eastwood vive um dos seus melhores papéis com o lacônico “Blondie”, homem de poucas palavras e muita atitude. Três Homens em Conflito foi o suprasumo dos spaghetti westerns, apelidado assim pela crítica americana, ultrajada pela releitura herética dada pelos italianos ao que era tido como o cinema americano por excelência. Pouco importa. Desde o figuro de Guerra nas Estrelas, passando pela obra inovadora de Quentin Tarantino a ícones do reggae e do rock, o filme teve um impacto profundo na cultura pop. Três Homens em Conflito (1966) encerra a “Trilogia dos Dólares”, que inclui Por um Punhado de Dólares (1964) e Por uns Dólares A Mais (1965).
O far west do diretor Sergio Leone pouco tem daquele Velho Oeste mitológico, calcado em aspirações patrióticas, palco de feudos entre grandes homens em busca de sangue e glória. Na visão do cineasta italiano, diferente daquela idealizada por grandes do cinema (John Ford, Howard Hawks, John Wayne), o far west era um lugar fundamentalmente hostil e perverso. Os personagens de Leone agem com ardil e na base da violência. O “cada um por si” é a única prerrogativa; e a diferença entre o “bom” (Eastwood), o “mal” (Van Clef) e o “feio” (Wallach) chega a ser muitas vezes sutil.
Não foi só, no entanto, a direção inspirada de Sergio Leone a responsável por tornar Três Homens em Conflito num clássico. Atrás do seu sucesso também estava Ennio Morricone. A trilha sonora do filme extrapolou a linguagem sinfônica dos bangue-bangues americanos, scores altamente wagnerianos, cheios de pompa e grandiosidade. Sua formação musical única contribui: do erudito, banhado como foi pelo serialismo durante sua formação acadêmica, Morricone pulou direto para o popular; fazia arranjos orquestrais para singles pop da RCA italiana.
Essa mistura de “baixa” e “alta cultura”, acessibilidade pop e experimentalismo permeia The Good, The Bad and The Ugly. Uma das artimanhas do maestro italiano para musicar o filme de Leone foi fazer uma mímica sonora dos “sons naturais” do deserto. O famoso tema principal do filme, por exemplo, foi inspirado por uivos de coiote. De resto, Morricone brinca com uma miríade de idiomas e efeitos musicais – rock 'n' roll instrumental, flamenco, cantoria sem palavras, marchas militares e vocalizações esquisitas – às vezes numa música só. Morricone também consegue contrastes violentos entre diferentes momentos do filme: “Sentenza”, tensa como a cena que a acompanha, é quase o pólo oposto de “La Storia de um Soldato”. O contexto perverso onde é tocada – para abafar os gritos dos prisioneiros torturados no forte – só aumenta o seu lirismo.
A resistência ao spaguetti western talvez explique por que o score do filme sequer foi indicado para os grandes prêmios da indústria (Oscar, Globo de Ouro, Grammy). Apesar disso, suas vendagens foram estratosféricas: um cover do tema principal por Hugo Montenegro emplacou a música na Billboard, garantindo para a trilha original um disco de ouro nos Estados Unidos, dois anos depois de ser lançada... Mas o reconhecimento não tardaria, e choveriam prêmios para Morricone – vide Os Intocáveis, Cinema Paradiso e Era Uma Vez na América.
Se conservadora Hollywood esnobou o filme à primeira vista, a contracultura e seus filhotes abraçaram a música e o filme “sem perrépis”. Ícones do rock (Ramones, Motörhead e Metallica) com o passar dos anos usaram temas de The Good, The Bad and The Ugly na abertura de seus shows. Alias, a obssessão do Metallica por Morricone é notória. “The Ecstasy of Gold” abre S&M (1998), e a banda faz uma versão “pesada” dessa mesma música para o tributo We All Love Ennio Morricone (2007), que também incluiu Bruce Springsteen, Roger Waters e – pasmem! – Daniela Mercury. Longe da Califórnia e não menos quente, a Jamaica rendeu também seu tributo à trilogia do “Pistoleiro Sem Nome”. Lee “Scratch” Perry, pai do dub e o primeiro produtor de Bob Marley, lotou os álbuns Clint Eastwood e Eastwood Rides Again de referências ao árido mundo sem lei de Tuco, Blondie e Angel Eyes. Do outro lado do Atlântico, o super-grupo britânico The Good, The Bad & the Queen, formado por ex-integrantes do Blur, The Clash e The Verve, fez de seu nome uma paródia óbvia daquele que é o rei entre os westerns italianos.
Il Maestro conseguiu contornar de forma inteligente e inovadora aquele faroeste romântico, inventado Alfred Newman, Dimitri Tiomkin, Jerome Moross e outros mestres da música do cinema. Criou, assim, uma das trilhas mais originais de todos os tempos, que ainda provoca aquela admiração que só as coisas eternas tem.
O Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.
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The Good, The Bad e The Ogly é bom d+. Perfeito o filme, a trilha é fantástica mesmo Zé. Ficou muito bom o texto também.
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