Há quem ache – eu, entre eles – que Mike Patton seja um dos poucos merecedores do título de “gênio” no mundo do rock. Sua ascensão ao estrelato com o Faith No More, seus mil e um projetos (Tomahawk, Peeping Tom, Lovage, etc) e a dublagem dos urros vampirescos de Eu Sou a Lenda (2007) atestam o inovadorismo e versatilidade (e esquizofrenia) do cantor. O Fantômas, de quem falo hoje, é talvez a melhor plataforma pós-FNM para a criatividade maníaca de Patton. Batizado em homenagem ao anti-herói do quadrinho francês homônimo, Patton reuniu um “super-grupo” pra dar corpo a mais um produto de sua imaginação hiperativa. No baixo temos Trevor Dunn, companheiro do Mr. Bungle, sua banda original. Na bateria, conta-se com o excelente Dave Lombardo (do Slayer) e pra fechar a formação Buzz Osborne, guitarrista do Melvins, um dos catalisadores do movimento grunge de Seattle.
O som da banda consegue reunir tudo o que há de mais bizarro e sinistro na música contemporânea. Punk hardcore, jazz avant-garde, death metal, noise, trilhas sonoras de terror, música erudita do século XX – tudo isso empastelado em músicas que vão de cinco minutos a 30 segundos. Só assim posso descrever a sordidez sonora do Amenaza al Mundo (1999), primeiro disco de Mike Patton & Cia. No segundo, The Director’s Cut, Patton dirige sua idiossincrasia musical para a música das telonas. Em particular, para temas de clássicos do suspense, do terror, de produções cult estrangeiras e algumas pérolas do cine trash. A salada musical macabra e as desconcertantes mudanças de tempo do Amenaza estão aqui. Apesar disso, o Director’s Cut consegue ser mais “palatável” (e botem uma senhora apóstrofe nesse palatável). Mas nem tudo é denso e mórbido. Pitadas de humor abundam. Não existe faixa #13, por exemplo, e as acrobacias vocais de Mike Patton garantem boas gargalhadas.
O disco abre com o Fantômas revisitando o tema de O Poderoso Chefão (Nino Rota). A banda brutaliza a 200 km/h o clima bucólico da original enquanto Patton canta parecendo a mistura de um gremlin com um peão de rodeio (!). A impressão que fica é ao mesmo tempo ridícula e assustadora. A maioria das releituras do álbum seguem esse padrão. Depois do “The Godfather (Theme)” vem o tema de Der Golem (1920), clássico do expressionismo alemão. O filme trata da lenda judaica sobre o poderoso cabalista que cria um guardião de barro para protegê-lo. O plano dá xabu e o Frankenstein medieval se volta contra seu criador. Mike Patton insere diálogos e situações do filme na letra, e o trio Dunn-Osborne-Lombardo adaptam o tema de Karl-Enst Sasse com um peso e lentidão pra dar inveja ao Black Sabbath. Essa pegada doom metal se repete em Cabo do Medo (“Cape Fear”), onde o falsete do vocalista substitui os violinos agudos do arranjo original de Bernard Herrmann (famoso pela sua parceria com Alfred Hitchcock – vejam Psicose, Um Corpo Que Cai, Intriga Internacional, etc.)
No resto dos seus 40 minutos, o álbum continua uma caixinha de surpresas. Um destaque é a pouco conhecida Vendetta, série britânica dos anos 1960 musicada por John Barry. (Sabem James Bond? Pois é. John Barry.) Outro destaque é o vibe brincalhão de “Spider Baby” (não lançado no Brasil), com seu clima Dias das Bruxas. Bem diferente é a versão black metal de “Ave Satani”, tirada de A Profecia, mais a ver com Aleister Crowley do que a Família Addams. “Fire Walk With Me” de Os Últimos Dias de Laura Palmer acalma os ânimos. Vindo do controverso longa que concluiu (será?) o seriado Twin Peaks, o jazz noir de Angelo Badalamenti logo dá lugar, nessa versão, a um trip-hop pra lá de soturno. O disco fecha com uma inédita do Fantômas, “Charade”.
Recomendo The Director’s Cut para fãs de Mike Patton e para os cinéfilos mais aventureiros – aqueles para quem a vida não começa e nem acaba em Hollywood.
O Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.
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