Resenha de Filme: Dente Canino (Kynodontas)

5 de julho de 2013 0 Comente Aqui!
Certos filmes - como a produção grega, indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2011, Dente Canino, e objeto de resenha em questão - procuram infringir sensações intensas e distintas ao espectador. Primeiro parecer levantar uma bandeira facilmente de ser repudiada, para depois a contornar com apontamentos que poderiam ser comuns a qualquer pessoa. É quando o público tateia fora da sua zona de conforto e vê seus anseios e preocupações refletidos e levados aos extremos em uma caminhada quase sempre no fino limite da sanidade mental. O controverso cineasta austríaco Michael Haneke é um exemplo que se notabilizou por usar de tais abordagens em seus trabalhos. Realização que procure ser um ensaio contundente sobre preceitos de sociedade e comportamento humano arrisca receber interpretações positivas e negativas. Mas antes das adjetivações, talvez o pior que possa acontecer é causar indiferença. Se causou, é porque o processo falhou.

Não é o caso de Dente Canino. Ainda que o espectador não se sinta extremamente "mexido" pela curiosa trama que monta um sistema patriarcal doentio em uma família grega de classe média alta, difícil não tirar algumas considerações válidas do microcosmo construído pelo diretor Yorgos Lanthimos. Se eu fosse um ensaísta melhor, desses que admiro, até ousaria escrever um texto pontuado por analogias políticas. Pois o Pai (Christos Stergioglu) é o tipo de líder que dita o que acha ser o melhor para o seu povo. Não existe diálogo que o convença do contrário. Subverte as problemáticas a seu favor, usando-as como justificativas para atitudes hediondas. Manipula informações e cria as suas próprias verdades. Dono de uma retórica afiada, convence pela fala e dentro daquela casa - a sua nação -, sua vontade é a lei máxima. Talvez as semelhanças percebidas com as idéias fascistas, nazistas, não sejam apenas meras coincidências. Mas enfim, não vou delirar muito e procurarei me ater ao que o filme oferece em uma primeira instância.

Enveredando por esse caminho mais assertivo, também se pode dizer que Dente Canino critica a forma como os filhos são criados no mundo moderno. O excesso de zelo que encolhe à vontade da prole em alçar voos maiores. Não a toa o avião surge como um simbolismo. Claro que aqui tudo é elevado a potência máxima e mira um hiper-realismo  hiperbólico e distópico que por vezes encontra o humor como última etapa. Seriam os estímulos advindos de filmes violentos ou sensualizados um perigo para nossas crianças? Será que protege-las a todo custo é o caminho? Quando é que a procura pelo bem-estar delas deixa de ser uma preocupação e passa a ser uma obsessão, um problema mental? É o que parece ter acometido o Pai em algum momento de sua trajetória, o único a deixar a residência da família para enfrentar o mundo. Dentro dela, ficam a Mãe (Michelle Valey), mulher resignada pelas escolhas do marido, e os três filhos - A Mais Velha (Aggeliki Papoulia), A Mais Nova (Mary Tsoni) e o Filho (Christos Passalis) -, adultos que agem como crianças. 

Em nenhum momento a narrativa de Dente Canino revela fatos do passado de ambos, mas pelas atitudes, se pode concluir que a trinca de irmãos nunca colocou os pés para fora de casa. Afinal, segundo o Pai, um filho só pode sair de casa quando seu dente canino cair. Usando ainda de simbolismos para minar a curiosidade dos filhos - o gato como um animal assassino, o quintal que protege de qualquer mal, as palavras que ganham sentidos diferentes -, o Pai estimula jogos - alguns de viés sádico - para entreter e adestrar os rebentos. Quando digo adestrar, é no sentido literal da palavra. O Pai faz com que tanto os filhos quanto a Mãe se façam de cachorros, em uma reverência máxima a sua autoridade. Enquanto as garotas mantêm seu caráter infantil se digladiando com os instintos sexuais, seja pelas roupas ou mesmo pelas atitudes, o patriarcado é reforçado com a entrada da jovem Christina (Anna Kalaitzidou), mulher que o Pai traz para fazer sexo com o Filho. Aceitando inicialmente as condições impostas para frequentar a casa, não demora que ela passe a ser fator desestabilizador da estranha harmonia institucionalizada.

Claro que para um filme tão improvável como Dente Canino fazer a audiência comprar sua premissa débil, é necessário que o elenco esteja alinhado com a proposta. Se não, pode calhar de tudo parecer uma grande paródia. Aqui é importante ressaltar que as atuações são elaboradas com afinco, talhadas no gestual, principalmente os filhos com suas atitudes infantis, em brigas infindáveis que normalmente culminam em violência física. Se os três atores entregam personagens que elevam a irritação do público para com suas ações, vale destacar que Aggeliki Papoulia é a mais interessante e se posiciona um patamar acima. Apesar de não ser uma protagonista evidente, a sua Mais Velha ancora com eficiência boa parte da trama e ainda impulsiona as principais cenas. Enquanto o Pai, figura central, é um personagem deveras unidimensional e a atração pela sua trajetória é apenas parcial. Como afirmei em algum momento do texto, Dente Canino é uma obra que rende interpretações, se pode ficar matutando dias e ainda assim não conseguir formar uma opinião definitiva.



Ficha Técnica:
Dente Canino (Kynodontas).
Direção: Yorgos Lanthimos.
Roteiro: Yorgos Lanthimos, Efthymis Filippou.
Duração: 94 min.
País: Grécia.
Ano: 2009.
Elenco: Christos Stergioglou, Michelle Valley, Aggeliki Papoulia, Mary Tsoni, Christos Passalis, Anna Kalaitzidou.

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