Resenha de Filme: Branca de Neve (Blancanieves)

3 de julho de 2013 0 Comente Aqui!

Em uma explicação rápida e simplista, a produção espanhola Branca de Neve, de Pablo Berger, é mais uma adaptação do célebre e secular conto dos irmãos Grimm eternizado pelo estúdio de Walt Disney. Só que dessa vez a história se passa na Espanha toureira da década de 1920. Como afirmei nas primeiras linhas, isso em uma tese simples. Na prática, não seria errado dizer que ganha camadas a serem identificadas. E um bem vindo tom sentimentalista que somente uma realização de origem latina - com um autor que entende tais signos - pode entregar sem exagerar no piegas. Dito isso, o primeiro apontamento diferencial a ser feito advém da forma como o diretor e roteirista decidiu conceber sua obra: muda, preto e branca, e em uma janela (1.33 : 1) em desuso, tendo em vista que hoje o predominante é o wide-screen anamórfico. 

No entanto, se Branca de Neve clama atenção por suas qualidades estéticas, não dá para dizer que é um filme em que as considerações técnicas surjam gratuitas, meros caprichos visuais que acabam se sobrepondo a história. Ainda que conte com uma vibrante trilha sonora original que remete ao cancioneiro popular espanhol (podendo muito bem ser ouvida isolada) e um apuro imagético comovente, de encher os olhos, tanto uma característica quanto a outra se arregimentam e consolidam sua força de expressão a medida em que vamos sendo envolvidos pela sólida trama de evidentes contornos trágicos. E sua encenação inserida no mundo violento - porém considerado artístico - das touradas, associa uma aura de beleza cruel que percorre toda a narrativa. Contudo, não é uma obra bruta. A doçura, singeleza, melancolia, encantamento, romance, amor e o humor encontram seus momentos naturalmente.

A trama de Branca de Neve abre com o renomado toureiro Antonio Villalta (Daniel Giménez Cacho) testando seus limites ao duelar seguidamente com seis animais em um mesmo dia. Da plateia, sua esposa grávida, Carmen de Triana (Inma Cuesta), observa com reticência o show do marido. Em dado momento algo não sai como o programado e Antonio acaba sendo atingido brutalmente por um touro. O seu chapéu arremessado a amada que cai antes de ser recolhido era mesmo uma mau presságio. No mesmo momento em que o toureiro é acertado pelo fatídico chifre, Carmen passa mal e é levada as pressas para o hospital. Antonio acaba sobrevivendo ao ataque do animal, mas se vê relegado à uma cadeira de rodas para o resto da vida. O mesmo não pode ser dito de sua esposa, que perde a vida na mesa de parto, deixando a pequena Carmencita aos cuidados de sua mãe, Doña Concha (Ángela Molina).

Deprimido pelas acachapantes tragédias, mas ainda detentor de vastos bens materiais, Villalta passa a ser cuidado pela interesseira enfermeira Encarna (Maribel Verdú). Meticulosa e manipuladora, ela não demora a se tornar sua esposa. Enquanto isso, Carmencita (Sofía Oria) leva uma vida saudável, porém entristecida, com sua atenciosa avó. Sofrendo sempre pela ausência de um pai que ela sabe que existe, mas não entende porque não pode ter contato. Não da maneira que esperava, um capricho do destino dará conta de torná-los mais próximos, fazendo com que a menina vá morar com a madrasta e o pai. Entretanto, enclausurado em um quarto por Encarna, Carmen parece que continuará na mesma, não tendo direito de visitar Antonio. Sua vida na propriedade se resume em fazer os piores trabalhos braçais. Mas claro que ela não vai se resignar as ordens de Encarna.

Com o passar do tempo, Carmencita (Macarena García) vai se tornando uma bela jovem. E sua presença cada vez mais incomoda a madrasta. Aqui, não pela beleza, mas pelo o que ela é: a herdeira direta de Villalta. Como no conto clássico, Encarna comanda que um de seus empregados leve a jovem para uma floresta e dê um fim em sua vida. Sabido que o assassinato não é consumado, Carmen é encontrada sem memória e prontamente adotada por uma trupe itinerante de anões toureiros. Logo, ela, instintivamente, também revela talento para as touradas e passa a ser vista como uma iminente celebridade. Sua ascensão natural causa fúria em Encarna. E a madrasta má arquiteta a crueldade definitiva para quando Blancanieves (nome de toureira pelo qual Carmen passa a ser conhecida) se apresentar no Coliseu de Sevilla, o então templo espanhol máximo das touradas.

Trazendo consigo considerações mais contemporâneas, Branca de Neve não consegue escapar dos lugares comuns a qual está presa desde sua concepção original. Afinal, é um conto fantasioso que divaga sobre o duelo entre o bem e o mal. Se os clichês reducionistas atrapalharam adaptações anteriores, o diretor Pablo Berger - mesmo sendo um realizador de cinema esporádico - parece ter pleno domínio do instante de introduzi-lós sem que soem artificiais. Antevemos o que pode acontecer, mas ainda assim se pode ser surpreendido pelos detalhes construídos com cuidado, pelos olhares de espanto, as atuações comprometidas - ainda que não sejam magistrais. É onde reside parte da magia apaixonante do cinema. De repente, o que parecia ser apenas uma repetição descartável, se transmuta e renasce com um frescor genialmente próprio.





Ficha Técnica:
Branca de Neve (Blancanieves).
Direção: Pablo Berger.
Roteiro: Pablo Berger.
Duração: 104 min.
País: Espanha/França/Bélgica.
Ano: 2012.
Elenco: Macarena García, Sofía Oria, Maribel Verdú, Ángela Molina, Daniel Giménez Cacho, Emilio Gavira, Sergio Dorado, Jinson Añasco.

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