Resenha de Filme: Antes da Meia-Noite (Before Midnight)

14 de junho de 2013 0 Comente Aqui!

Em 1995, Antes do Amanhecer apareceu de mansinho, conquistando admiradores gradativamente e ao longo dos anos se tornou um exemplo de filme simples e eficiente. Seu tom deveras íntimo e naturalista acompanhava algumas horas do furtivo encontro de dois jovens: o americano Jesse (Ethan Hawke - A Entidade) e a francesa Celine (Julie Delpy). Ambos haviam se conhecido casualmente em um trem que cruzava a Europa e a atração mútua fez com que descessem na cidade de Viena para curtirem aquele momento singular. O resultado é uma história pontualmente romântica, mas sem o excesso de "açúcar" que na maioria das vezes comprometem filmes de temática semelhante. Com seu status de obra cultuada arregimentada, quando ventilada que haveria uma continuação, intitulada Antes do Pôr-do-Sol, precisamente nove anos após o primeiro, muitos torceram o nariz. Afinal, poderia ser apenas um caça-níquel aproveitador. Felizmente, o diretor Richard Linklater (Escola de Rock) provou o contrário, trazendo uma história tão encantadora quanto a precursora. 

Durante a divulgação de Antes do Pôr-do-SolLinklater afirmou que a intenção era fazer outro filme nove anos depois, e assim continuar a trajetória do casal. Em 1995, Celine e Jesse se conheceram em um encontro mágico, marcado pela casualidade, características  inerentes a entrada na vida adulta e também - involuntariamente - relatando as dificuldades de uma era de internet bem parca. Quando em 2004 se reencontram, em uma situação tão arrebatadora quanto a primeira, o apanhado foi um pouco mais problematizado, até por Jesse se encontrar casado e ainda ter um filho do relacionamento. Agora em 2013, com Antes da Meia-Noite, o foco do roteiro assinado pelo diretor e a dupla de protagonistas é no desgaste da relação, acomodamento e qual o caminho a se seguir. Será que o amor vence os obstáculos desgastantes do dia-a-dia? Qual o sentido de uma relação institucionalizada? Amigos ou amantes? Relacionamentos estão fadados à separação? Como se percebe, o filme parcialmente se despe da aura de fascínio de outrora e aposta em tons mais realísticos. Alguns dirão ser uma obra mais madura, mas tão - ou  até mais - prodigiosa na forma como é executada.

A primeira cena de Antes da Meia-Noite traz Jesse, no aeroporto, com seu filho Hank (Seamus Davey-Fitzpatrick, esteve em Moonrise Kingdom) do primeiro casamento. O garoto, agora um pré-adolescente, se despede do pai após ter passado as férias com ele na Grécia. Um longo diálogo - como é característica de todos os filmes - acompanha algumas problemáticas que vão percorrer toda a trama. Jesse demonstra uma iminente melancolia pela despedida, enquanto Hank se encontra resignado por sua condição de filho de pais divorciados. Também é revelado que a mãe do menino não mantêm um relacionamento cordial com Jesse. Que não foi fácil para ela lidar com a separação após seu então marido viajar para a França e reencontrar o amor do passado. Em seguida, após o filho embarcar, Jesse volta para o carro e avistamos Celine. Em pé a frente da porta do veículo, a câmera de Linklater enquadra com sutileza o corpo da francesa e percebemos que o tempo não deixou de ser generoso com ela. Seu físico pode ter mudado após o nascimento das gêmeas, mas Celine ainda guarda certa sensualidade e um mistério natural.

Aliás, um dos pontos a serem discutidos em Antes da Meia-Noite é a influência do tempo no ser humano. Não só a sua evolução que deixam marcas indeléveis, mas também a disponibilidade dele como fator determinante para se levar uma vida mais agradável. E com a chegada das meninas, o casal acabou se distanciando. Jesse se aprofundou na escrita, tendo se tornando um autor relativamente conhecido. Enquanto Celine, em prol de cuidar das filhas e da família, deixou seu interesse pela música de lado - lembram que ela compunha canções? - e a condição doméstica que leva cada vez mais a incomoda. Essas férias na Grécia, onde o público é jogado exatamente no último dia, era vista como uma maneira de se reencontrarem. No entanto, á medida que vão se vendo jogados de volta aos antigos afazeres, reminiscências vem à tona e a história vai ganhando uma caráter mais dramático. Mas a maneira como é tratada é onde se encontra o diferencial do trabalho de Richard Linklater. O tom intimista é transposto de maneira tão natural que o espectador acaba sendo levado por discussões de caráter universal. Mesmo você não sendo casado, difícil não se encontrar em alguns momentos. 

A direção contemplativa de Linklater, quase uma antítese do cinema praticado nos EUA, remetendo diretamente a nomes como Eric Rohmer, é um dos grande méritos de Antes da Meia-Noite. Sabendo do que o mundo desses personagens é construído, o diretor não se refuta em fazer a câmera passear por diálogos variantes, delirantes, mas não menos geniais em sua proposta. Em uma mesma situação, assuntos banais ganham dimensões importantes. O trato é orgânico e temos a sensação de participar das conversas. E a intenção talvez seja mesmo a de fazer o público de ouvinte. Posteriormente, um belíssimo plano-sequência, onde Celine e Jesse conversam a sós, se mostra assertivo para levar ao âmago de toda a trama. E o espectador deseja que tudo dê certo. Quando menos se espera, você pode estar torcendo por um sentimento que até considere amortizado. É quando pensamentos nos remetem as bobagens que cometemos e nos afastam das pessoas. Antes da Meia-Noite tem suas camadas e também proporciona bem-vinda reflexão. Os minutos ao lado de Celine e Jesse são dos mais válidos. E ao final do filme, se encontram igualmente revigorados tanto os personagens quanto a enternecida platéia. 



Ficha Técnica:
Antes da Meia-Noite (Before Midnight).
Direção: Richard Linklater.
Roteiro: Richard Linklater, Ethan Hawke, Julie Delpy.
Duração: 109 min.
País: EUA.
Ano: 2013.
Elenco: Ethan Hawke, Julie Delpy, Seamus Davey-Fitzpatrick, Jennifer Prior, Charlotte Prior, Xenia Kalogeropolou, Walter Lassally, Ariane Labed.

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