Resenha de Filme: Dentro de Casa (Dans La Maison)

1 de abril de 2013 0 Comente Aqui!

Livremente adaptado da obra do dramaturgo espanhol Juan Mayorga, Dentro de Casa, dirigido e roteirizado pelo eclético François Ozon, é um inspirado apanhado que pode ser avaliado de pontos de vista diferenciados. Em um primeiro momento elucida um “dramédia” social, mas não demora até que se note seu evidente tom metalingüístico, principalmente quando a trama decide passear pelos gêneros, descrevendo as diversas maneiras de se contar uma história ao narrar à mesma. É um filme sobre um professor, com serias tendências voyeuristas, que estimula seu jovem aluno, com talento para escrita, a observar e lhe contar através de redações o cotidiano de uma família de classe média francesa. Como também é um exercício de estética narrativa curiosa e prazerosa de se acompanhar, livre de idiossincrasias herméticas, onde a diversão reside na confusão de distinguir o real do imaginário, e vice-versa.

Como já citado no inicio, o professor de literatura francesa, Germain (Fabrice Luchini), e o aluno de origem proletária, Claude (Ernst Umhauer), co-protagonizam Dentro de Casa. O primeiro é um escritor frustrado, ranzinza e acomodado, casado com a sempre compreensiva Jeanne (Kristin Scott-Thomas), curadora de uma galeria de arte decadente. O segundo é um garoto misterioso, inteligente e observador, mas com características que beiram a sociopatia. O elo entre ambos, de mestre e aprendiz, se forma quando Claude entrega um exercício que consistia em escrever um texto sobre o seu final de semana. Indo além da simples visão “adolescente alienado”, o trabalho trazia uma ácida apresentação sobre a família de um colega classe, Rafa (Bastien Ughetto). Na redação de considerações debochadas, Claude afirmava seu desejo de conhecer o interior da casa do colega e entender o porquê do convívio aparentemente harmonioso da família.

Esse primeiro texto do garoto, apesar de irregular, denota um interlocutor com competência para contar uma história. O professor fica impressionando com a facilidade em pontuar as principais nuances dos relacionamentos daquela família e também com a eficiência natural em criar interesse sobre o comportamento dos pais de Rafa: Rafa pai (Denis Ménochet) e Esther (Emmanuelle Seigner), apelidada de senhora de classe média. No final do texto, Claude instiga deixando a afirmação “continua...” Indo à contramão do caráter pedagógico que seu cargo de professor elucida, Germain, mesclando entusiasmo e curiosidade sobre a vida alheia, estimula que o rapaz continue a visitar a casa do colega. E logo mais textos viriam. A cada nova redação, o professor, agora mais intimo e chamado de Maestro por Claude, discute com o garoto sobre quais rumos a história deve seguir, citando características, ora caras ora dispensáveis, a literatura, cinema e até mesmo televisão.

Se fazendo de livro, filme e serie televisiva, a história de Claude passa a ser ditada pela simbiose dos gêneros, abrindo espaço para criticar si mesma e a “pretensão” dos contadores de história. Todo momento surgem controversas perguntas do tipo: “Você quer ser um novo Pasolini?” ou discutíveis afirmações como: “Seu texto está tão explicado que parece um seriado de TV.” Além de considerações negativas sobre estéticas visuais e poesias desnecessárias. Defensor da coerência de idéias, clareza dos fatos, sem espaço para ambigüidades tolas, Germain considera que estilismos narrativos e visuais apenas servem para tirar a atenção de uma trama mal delineada. Entretanto, se contradizendo de forma divertida, François Ozon não deixa de brincar com seu personagem ao inserir distrações semelhantes. Por esses entremeios da metalinguagem, Dentro de Casa ganha contornos cômicos, românticos, sensuais, tensos e trágicos. E tais considerações sempre surgindo organicamente.

Para uma realização com uma proposta ousada funcionar é deveras importante um elenco abalizado e comprometido com a idéia de seu autor. Claro que tanto o veterano Fabrice Luchini quanto o jovem Ernst Umhauer são atores talentosos e convencem plenamente em seus papeis, trazendo a veracidade e cumplicidade necessária para que Dentro de Casa engrene e cresça. Assim como a atriz Emmanuelle Seigner entrega uma atuação propositalmente caricata, mas que não deixa de ser um dos pontos altos da trama. Contudo, peço licença para fazer valer a ressalva sobre a capacidade categórica que o diretor François Ozon tem de sempre extrair ótimas atuações de seus comandados. Se até em seus filmes de menor expressão o elenco sempre se destaca com interpretações meticulosas, alinhavadas pelo gestual e diálogos precisos, aqui não poderia ser desigual. Felizmente. No panorama do cinema francês, e até mundial, François Ozon já entregou belas e relevantes obras, mas acredito que dessa vez se superou.


Ficha Técnica:
Dentro de Casa (Dans La Maison).
Direção: François Ozon.
Roteiro: François Ozon.
Ano: 2012.
Elenco: Fabrice Luchini, Ernst Umhauer, Emmanuelle Seigner, Kristin Scott-Thomas, Bastien Ughetto.

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