Cinema Detalhado: Resenha de Filme: O Gosto do Dinheiro (Do-nui Mat)

O poder monetário está acima de qualquer coisa? Moral, ética, amor? Em um primeiro momento essas são perguntas que soam como aparentes clichês, mas ainda que possam ser atribuídas respostas facilmente, dependendo do modo como cada um enxerga a vida, não deixam de trazer dúvidas e caminhos interessantes a serem explorados. E O Gosto do Dinheiro, dirigido pelo sul-coreano Sang-Soo Im e indicado a Palma de Ouro em Cannes (2012), divaga com propriedade sobre esse contexto, agora representado a partir de uma família influente numa Coréia do Sul com apreço ao capitalismo selvagem. O tom de épico é evidente, no entanto, a trama não procura voltar no passado para explicar o presente. Os membros dessa família disfuncional são movidos “a toque de caixa”, como se existisse um enorme buraco em seus egos que nunca é preenchido ao ponto de se sentirem satisfeitos. Será que um dia essa vida de aparências enjoa?

Sem visíveis elos afetivos que vão além das considerações sobre dinheiro e poder, a família é comandada com punho de ferro pela matriarca Geum-Ok (Yoon Yeo-Jeong), mulher fria, calculista e representante inveterada dos interesses de seu pai, o caquético, porém ganancioso, Noh (Kwon Byung-Gil). Em uma sociedade onde a figura masculina ainda se faz muito necessária para angariar atenção e respeito, o testa-de-ferro, e também presidente da empresa comandada pela família, é o fanfarrão Yoon (Baek Yoon-Sik), marido ineficiente e joguete apropriado de Geum-Ok. A esse núcleo familiar de ordem caótica, ainda que velado pela idéia da necessidade crescente de status e igualmente apoiado em um estranho senso de honra, onde as aparências sempre dão o tom, se une o casal de filhos: Chul (No Joon-Wan), rapaz tão inescrupuloso e ganancioso quanto à mãe, e a jovem Nami (Kim Hyo-Jin), sopro de retidão moral em meio aos “tubarões” ávidos pela soberania que acreditam que o dinheiro pode trazer.

Sendo o núcleo familiar onde se desenrolam as tramóias, a opção do protagonista, o secretário Young-Jak (Kim Kang-Woo), de O Gosto do Dinheiro ser alguém que traz um olhar de fora, não sendo um membro consangüíneo, se torna um contraponto interessante. Inicialmente, Young-Jak denota um sujeito fiel, ainda que ambicioso e que pouco contesta as ordens de seus superiores, mesmo quando indicam ações reprováveis. A harmonia da família, sustentada por falcatruas nunca questionadas, começa a ruir quando o filho Chul passa a ser investigado por irregularidades, se tornando alvo da mídia. Em paralelo às problemáticas com a lei, Chul procura atender as exigências, em sua maioria sexual, de um empresário norte-americano, Robert Altman (Darcy Paquet), visto com importante para os negócios da família e ávido por investir seu dinheiro em um mercado tão permissivo. Enquanto isso, o presidente Noh se envolve com a empregada da família, a filipina e romântica Eva (Maui Taylor), criando um imenso impasse.

Se confundindo com a decaída da família, a resolução do caso amoroso de Noh se torna crucial para o surgimento do ponto de virada de O Gosto do Dinheiro. Ainda que o trabalho de Sang Soo Im seja mais apegado a sutilezas, indo a contramão do tom muitas vezes exagerado das produções sul-coreanas, o diretor não deixa de conceber cenas onde a estética visual seja prioritária. No entanto, o fator imagético nunca é gratuito, pronto para chocar, se conflui harmoniosamente com o roteiro, escrito pelo próprio Sang Soo Im, de diálogos ácidos e críticos. A direção também aposta em um olhar distanciado, muitas vezes frio, confirmado pela trilha sonora quase nula, e encontra no ator Kim Kang-Woo o protagonista perfeito. Seu Young-Jak não é um evidente herói, ambíguo, o conflito entre o trivialmente “certo” e o “errado” fácil de abraçar habita seu ser com propriedade, rendendo positivas cenas de introspecção. O Gosto do Dinheiro é uma obra incômoda, causticante até, mas relevante desde o primeiro frame.