Resenha de Filme: César Deve Morrer (Cesare Deve Morire)

3 de março de 2013 2 Comente Aqui!

Hibridizando o documentário e o ficcional, beirando ainda o experimental, esse é César Deve Morrer, destemida produção italiana dirigida pelos octogenários irmãos Paolo e Vittorio Taviani. A proposta do filme parte da ideia singular de adaptar a renomada peça do dramaturgo inglês William ShakeaspeareJúlio César, como atividade recreativa dentro de um presídio de alta periculosidade. E o que parece um concepção pouco provável, se torna um inesperado apanhado cativante e peculiar. Ora divertido ora emocionante, nunca se torna uma obra entediante, talvez até pela história de conspirações e traições casarem e se confundirem perfeitamente com o contexto pessoal dos aprisionados. Afinal, o texto clássico de Shakeaspeare trazendo uma temática atemporal, carrega e potencializa um bocado das reminiscências por qual cada um dos então atores amadores passaram em suas vidas criminosas.

A primeira imagem de César Deve Morrer surge em cores vibrantes, mostrando o dia em que a montagem de Júlio César é apresentada ao público, em maioria formado pelos familiares dos internos. Se não soubéssemos previamente que se trata de uma encenação feita por detentos, poderíamos até acreditar que estávamos diante de atores de teatro profissionais ou em vias. Para entendermos a sensação visceral que aplaca elenco e plateia nesse inicio do filme, a trama volta seis meses no passado, agora irrompendo em uma vistosa fotografia em preto e branco e nos colocando precisamente no dia em que é feita a escolha do elenco. Esse primeiro momento, os presos, extremamente crus, entoam um texto improvisado de duas formas diferentes, surgindo assim uma agradável sequência de humor natural em César Deve Morrer. Esse teste é crucial para escolher quem fará os personagens da montagem. Cabendo a um italiano mafioso, Giovani Arcure, o papel-título  de César e a um traficante, Salvatore Striano, o papel de seu famoso antagonista, Brutus.

Como personagem com mais nuances e conflitos dramáticos, a narrativa então decide seguir os passos de Brutus, acompanhado o extremo comprometimento de Salvatore Striano para com seu personagem. Na verdade, até pelo excesso de “tempo disponível” e mesmo a busca pela abstração de suas situações irremediavés de reclusos com longas penas a serem cumpridas, todo o elenco da montagem passa a viver como seus personagens em seus cotidianos. Logo a vida diaria dos internos se torna na história trágica de Júlio César,  onde os ensaios na terminam quando acabam. As elucubrações e diálogos pertinentes ao texto de Shakeaspeare, salvo um ou outro improviso por parte dos atores, são levados para dentro das celas, causando máxima imersão nos personagens. Conscientes do alto risco em conceberem uma obra idiossincrática, os irmãos Taviani não rodeiam a trama, as cenas são simples e diretas, aproveitando o máximo de cada atuação. 

No tocante as atuações, é importante salientar como elas vão crescendo durante o filme e se tornando o principal atrativo de César Deve Morrer. Claro que os Taviani não deixam de exercer uma direção competente, aproveitando com eficiência o clima claustrofóbico do presídio para dimensionar com mais intensidade cada plano-sequência em que o elenco se utiliza do excelente texto de Shakeaspeare para duelar verbalmente. No entanto, perceber e sentir a dedicação de cada interno para com seu personagem se torna o grande ensinamento que se pode retirar dessa bela obra. Aqui, os Taviani atestam como a arte pode recuperar o ser humano da marginalidade, fazê-lo aspirar a algo maior, trazer para sua vida algum sentindo, abstrair as ideias errôneas de outrora, transcender a monotonia de uma vida vazia. Quando aquele elenco bruto encena Júlio Cesar, eles não são mais presos, suas "almas pecadoras" se tornam livres para sonhar.


Ficha Técnica:
César Deve Morrer (Cesare Deve Morire).
Direção: Paolo Taviani, Vittorio Taviani.
Roteiro: Paolo Taviani, Vittorio Taviani.
Ano: 2012.
Elenco: Cosimo Rega, Salvatore Striano, Giovanni Arcure, Antonio Frasca, Juan Dario Bonetti, Vincenzo Gallo.

2 Comente Aqui! :

  • Raimundo Neto disse...

    O filme realmente é diferente de tudo o que eu já vi, onde os diretores utilizam presidiários reais para interpretar uma peça de Shakespeare e fazer o filme, fazendo uma analogia única, a situação deles ali dentro da cadeia...Um dos pontos altos no filme é quando um deles fala: “Desde que eu descobri a arte, essa cela tem me parecido uma verdadeira prisão”...Me surpreendi com essa produção

 
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