O mote principal de O
Salário do Medo, dirigido e roteirizado pelo francês Henri-Georges Clouzot, é o transporte de
dois caminhões carregados de nitroglicerina por imigrantes europeus em estradas
insalubres de um país sul-americano. No entanto, o roteiro, baseado na obscura
novela de Georges Arnaud, se
aproveita dessa premissa inicial para criar importantes contornos secundários
na trama, como a citação a acachapante pobreza dos países subdesenvolvidos, a
priori, originada pela exploração impertinente dos EUA. O povoado onde a
história se inicia é de uma miséria impressionante. O diretor não veio até a
América do Sul para realizar o filme, usou como locações a simplória cidade de
Bouches-du-Rhône, na sua França, mas em nenhum momento parece que estamos em algum
lugar europeu. De forma corajosa, pautada sempre em uma crítica natural, com um
vistoso movimento de travelling vemos
cenas de crianças nuas brincando na lama, nem sinal de saneamento básico, ruas
sem asfalto, animais transitando por elas e a câmera estaciona apenas quando
capta a imagem de um peculiar grupo de estrangeiros na porta de um bar.
Além das evidentes problemáticas
do lastimoso povoado, talvez o fator principal que impulsione as é o desemprego
massificado. Na cidadezinha poucos detém uma renda fixa, a não ser o pouco
paciente senhor Hernandez (Darío Moreno),
dono do já citado bar/pensão. Regidos sobre a opressão de uma empresa
norte-americana que extrai petróleo nas proximidades, os moradores da região
sobrevivem a partir de trabalhos esporádicos, quase sempre perigosos e mal
remunerados. Logo se torna comum o alcoolismo entre a população local. Na falta
de clientes mais elegantes, “gastadores”, o bar de Hernandez usualmente esta
repleto de desocupados, principalmente esses europeus sem perspectivas
apontados no final do primeiro parágrafo, e que chegaram em navios com o sonho
de ganhar dinheiro nesse lugar mais simples. O mais ousado deles é o francês
Mario (Yves Montand), malandro “boa
pinta”, impertinente, que passa boa parte do tempo flertando com a empregada de
Hernandez, Linda (Véra Clouzot), de
beleza um tanto brejeira. Mario também deve sua sobrevivência ao amigo Luigi (Folco Lulli), um italiano boa-praça que
desperdiça sua saúde trabalhando arduamente em uma construção.
Apesar da ambientação inóspita,
pessimista, O Salário do Medo não deixa de ter sua porção cômica. Com
sagacidade, Clouzot imbui à obra de
um bocado de humor ácido, advindo principalmente após a chegada do Senhor Jo (Charles Vanel). Jo é um sujeito
ambicioso, cheio de pompa, mas tão desprovido de posses quanto Mario e sua
trupe. Não demora até que firme uma amizade com Mario, criando ciúmes tanto em
Linda quanto em Luigi e no resto da patota de ociosos. Nesse apontamento da
história, O Salário do Medo também é
um filme sobre amizade masculina, diria que até com tendências homo-afetivas,
mas não que elas cheguem a ser evidentes. Então seria a primeira vez que Clouzot divagaria veladamente pela
temática em sua filmografia. No subseqüente Diabólicas
(1955), o diretor cria um envolvimento semelhante entre as protagonistas
acusadas de assassinar o marido de uma e amante da outra. Essa sensação fica
mais evidente em cenas como quando Jo interpela a Mario sobre ele escolher
entre ficar com Linda ou ele, e em um momento de comemoração quando os homens
se reúnem para urinar brindando a um feito bem realizado. Pode ter sido uma
brincadeira desse diretor de humor sarcástico, mas não se podem descartar essas
percepções, principalmente pela conhecida astúcia de Clouzot.
A trama ganha novo direcionamento
quando acontece uma explosão nos poços de petróleo dominados pelos
norte-americanos. Privados de explosivos para abrir novos poços, pois os que
tinham se perderam no incêndio, vêem os trabalhadores locais reticentes quanto
a transportar carga tão perigosa pelas péssimas estradas do país. Esperto, o
líder da empresa petrolífera, Bill O´Brien (William
Tubbs), sugere que contratem os estrangeiros marginais para o trabalho de
alta periculosidade. Necessitados, a trupe não se refuta a embarcar na jornada
de risco. Durante uma breve seleção são escolhidos Mario, Luigi, o holandês
Bimba (Peter Van Eyck) e o jovem
Smerloff (Jo Dest). No entanto, uma
situação única acaba colocando Jo no lugar do rapaz. Em duplas, Mario-Jo e
Luigi-Bimba, eles assumem os dois caminhões repletos de nitroglicerina e assim
partem em uma viagem onde o menor movimento em falso pode custar suas vidas.
Nessa segunda metade de O Salário do Medo é quando o filme
se preenche de tensão e as verdadeiras naturezas de cada personagem se revelam.
E também quando Clouzot brinda o
espectador com seqüências memoráveis, sejam elas apoiadas em diálogos afiados
ou em situações limites angustiantes.
Ficha Técnica:
O Salário do Medo (Le Salaire de La Peur ).
Direção: Henri-Georges Clouzot.
Roteiro: Henri-Georges Clouzot,
Jérome Géronimi.
Ano: 1953.
Elenco: Yves Montand, Charles Vanel, Folco Lulli,
Peter Van Eyck, Véra Clouzot, William Tubbs, Darío Moreno, Jo Dest.
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