Resenha de Filme: As Quatro Voltas (Le Quattro Volte)

16 de fevereiro de 2013 1 Comente Aqui!

Simples e belo, creio que com essas palavras defino de maneira direta e sincera o filme italiano As Quatro Voltas. Dotado de evidente força imagética, o segundo longa-metragem dirigido por Michelangelo Frammartino divaga com propriedade sobre a temática da reencarnação. No entanto, não vemos longas elucubrações, monólogos incensados ou diálogos reflexivos. Na verdade, As Quatro Voltas não contém sequer uma palavra, apenas sons diegéticos se aliam as imagens para impulsionar a narrativa. Em um primeiro momento pode parecer uma escolha maçante, idiossincrática, até mesmo pretensiosa. Contudo, quem se propor a transcender certas cismas no que toca a convenções cinematográficas tradicionais, pode se surpreender e se emocionar com esse filme de caráter um tanto peculiar.

O protagonista inicial de As Quatro Voltas é um pastor de cabras ancião (Giuseppe Fuda). O seu cotidiano envolve acordar bem cedo, levar suas cabras para o pasto, depois passar na Igreja local e pegar com uma senhora certa mistura enigmática que consome todos os dias antes de dormir. Dimensionado como um sujeito solitário, o pastor parece resignado, onde até mesmo uma formiga pode passear pelo seu rosto sem que o incomode. Para marcar com eficiência a rotina do protagonista, Michelangelo Frammartino utiliza da repetição de cenas, trazendo sempre enquadramentos semelhantes e assim ritmando o filme com o marasmo do personagem. Entretanto, apesar de parecer uma escolha inapropriada, essa opção da direção exalta o belíssimo e rústico visual do lugarejo onde a trama se desenrola.

A trama se desenvolve em passos lentos, mas nunca entediantes, sempre dimensionando a importância da natureza, talvez até a verdadeira protagonista do filme. Como o mote principal da obra é a reencarnação, logo se torna passível de analises inerentes à religião. Nesse sentido, As Quatro Voltas não se define com qual crença procura dialogar, passeando por preceitos espíritas, hinduístas, esotéricos, entre outros menos evidentes. Embora normalmente a reencarnação seja atrelada ao fator religioso, creio que a intenção de Frammartino, também autor do roteiro, seja a de transcender essas perspectivas religiosas e colocar a temática como algo simplesmente natural. Essa abordagem naturalista, mas de uma poesia singela, é o ponto de partida para o filme atingir de forma certeira suas pretensões, visto que a partir da primeira reencarnação do protagonista inicial, a trama toma um rumo totalmente imprevisível.

Essa sensação de mistério e curiosidade crescente que a narrativa exala, cercada de possibilidades e criando uma forte interação com o público, torna-se a constatação da magnitude velada de As Quatro Voltas. Poderia até revelar mais do conteúdo da trama, mas seria mesmo um pecado tirar o prazer do espectador em contemplar e se surpreender com cada nuance do filme. Realização de caráter cuidadoso e diferenciado, As Quatro Voltas não apenas se destaca por sua abordagem peculiar. Alguns dirão que é um filme experimental, principalmente pela ousadia de ser diferente, não se adequando a formulas. Particularmente, creio ser um apanhado competente, de viés autoral, de um realizador com pleno domínio de sua arte e que praticamente atinge a excelência ao que se propõe.





Ficha Técnica:
As Quatro Voltas (Le Quattro Volte).
Direção: Michelangelo Frammartino.
Roteiro: Michelangelo Frammartino.
Ano: 2010.
Elenco: Giuseppe Fuda. 

1 Comente Aqui! :

  • Devorius disse...

    Ótima resenha!
    Vale também ressaltar que o filme não tem trilha sonora. Tem é uma sonoplastia incrivelmente detalhada e cuidadosa para a construção dos cenários e voltar a atenção do espectador para os sinais.

 
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