Primeiramente, recomendo para uma
melhor apreciação de Django Livre, novo longa-metragem do
controverso cineasta americano Quentin
Tarantino, abstrair as preocupações em relação a considerações históricas.
Digo isso, embasado até em uma recente entrevista do diretor, porque Tarantino afirmou que tem apreço por
retratar situações históricas, pois assim tem liberdade para reescreve - lá ao
seu bel prazer. Se em sua obra anterior, Bastardos
Inglórios, isso ficou mais evidente, com o diretor usando de personagens
notórios da recente história mundial como coadjuvantes de luxo, em Django
Livre essa mexida na história pode parecer mais genérica.
Até porque não existem figuras celebres semelhantes na trama.
No contexto de Django
Livre, diria que essa “reinvenção” da história americana, sugestionada
pelo diretor, seria mais voltada para o caráter social da época visitada.
Entretanto, desprovida de compromisso ou zelo pelos principais retratados no
filme: os escravos. Assim como outras obras que tocam no assunto, os escravos,
justamente, são mostrados como vítimas de um sistema que os utiliza sem piedade
para se engrandecer. Contudo, aqui, Tarantino
não procura ser lisonjeiro ou edificar os mesmos. Se o filme traz cenas de
violência exacerbada contra eles, talvez na época, elas fossem até pior e nesse
sentido, acredito não ser errado dizer que Django
Livre em um primeiro momento se desprende de veracidade histórica, mas
posteriormente procura fidelidade de fatos menores, principalmente para
preencher com mais qualidade esses detalhes secundários da narrativa.
Os dois primeiro parágrafos podem
trazer uma idéia diferenciada para o verdadeiro teor de Django Livre. Ainda que o
filme de Tarantino toque em assuntos
delicados, a sua intenção não é causar reflexão, mesmo que ela possa surgir
involuntariamente. O diretor faz alça de mira para a diversão adulta, o
entretenimento propriamente dito, mas sem nunca perder seu viés autoral. A sua
visita ao western mostra
desenvoltura, perspicácia e certa dose de ousadia. Vejam bem, onde um filme
desse gênero teria um caçador de recompensas dentista, lisonjeiro e educado? Ou
um “Sinhô” poser, que come “bolo
branco” e preocupado com as
aparências? Essas são características que englobam o tipo de cinema praticado
por Tarantino, referencial sim, mas
simples imitação não. Como poucos, o diretor faz paródia com criatividade.
Declarada como segunda parte de
uma trilogia, Django Livre discorre sobre a temática vingança, tão cara a seu
realizador. O ambiente é o Texas do pós-guerra civil americano. Os
protagonistas, um caçador de recompensa, Dr. King Schultz (Christopher Waltz) e um escravo liberto por ele, Django (Jamie Foxx). A missão: resgatar a esposa
escrava de Django, a bela Brumhilde (Kerry
Washington), de uma renomada fazenda algodoeira, CandieLand, comandada pelo
presunçoso Calvin Candie (Leonardo
DiCaprio). Entre uma ponta e outra da narrativa, Tarantino investe em sua conhecida verve para digressão dissociada,
pontuando com diálogos tão mordazes, tensos, quanto divertidos. Contudo, dessa
vez, as digressões não avançam para fora da temática central, assim como os flashback, artifício muito utilizado
pelo diretor em outras obras, mas que aqui são bem moderados e curtos.
Essa afirmativa da última
sentença do parágrafo acima faz chegar à conclusão de que Django Livre é a obra de Tarantino mais linear e de aspecto
tradicional. Os recursos estéticos narrativos de outrora, como cartões-títulos
para introduzir situações ou mesmo a divisão por capítulos, são deixados de
lado. Se por um lado o filme perde (ou ganha, dependendo do ponto de vista) com
certos maneirismos renunciados, por outro, a parte visual continua sendo um
atrativo a parte. A fotografia de Robert
Richardson enche os olhos ao captar os diversos aspectos da geografia e
natureza americana, característica do western
ianque, como a neve e os belos crepúsculos. Verdade que senti falta de mais tomadas
de cavalgadas, perseguições, apesar de o filme guardar uma seqüência de ação
especial, tão cômica quanto agitada, envolvendo um ataque da Ku-Klux-Klan aos nossos protagonistas.
Era esperado que em Django Livre o
diretor mesclasse a escola americana de western
com a italiana, mais conhecida como spaghetti.
Todavia, eu não imaginaria que Tarantino
pegaria a segunda como prioridade estética. Em uma analise curta e grossa, Django Livre seria um spaghetti realizado e contextualizado
dentro da cultura americana. Nesse sentido, é onde volto para reafirmar o viés
autoral que Tarantino imbui na obra.
No meu ponto de vista, o diretor consegue hibridizar com certa naturalidade esses
distintos subgêneros do faroeste, com se um dependesse do outro para existir. E
nessa alternância entre o cômico e o sério, exagerado e o realístico, é onde o
filme torna-se curioso, cativante e ganha força, sempre se renovando para
seguir sem contratempos dentro de suas quase três horas de duração.
Sem um interprete esquecido para
revitalizar ou algum desconhecido para revelar, Tarantino aposta em atores competentes da atualidade e
colaboradores de longa data. A parceira incomum dos personagens de Christopher Waltz e Jamie Foxx é a força motriz de Django Livre. Respectivamente, seus
Dr. King Schultz e Django são anti-heróis improváveis dentro da mitologia do western. Não existiriam tão somente se
não tivessem sido criados, ou resgatados e reinventados de alguma obra obscura,
pela mente inventiva desse diretor de talento inegável. No entanto, se criamos
gosto para acompanhar as peripécias da dupla, uma outra dupla, quando entra
para antagonizar os protagonistas, toma a cena de assalto. São eles, o já
citado escravocrata Calvin Candie de DiCaprio
e o chefe dos escravos de CandieLand, Stephen (Samuel L. Jackson), também conselheiro e bajulador oficial do “Sinhô”.
Sob a batuta de Tarantino, também conhecido pela
competência e eficiência em dirigir atores, Samuel
L. Jackson entrega mais uma atuação icônica. Seu personagem é ponto chave
para a principal virada da trama, e delineado pelo ator de forma arrogante,
preconceituosa para com os negros, apesar de também ser negro, acaba por se
tornar um autêntico vilão velado. A exemplo de seu parceiro de cena, DiCaprio imerge dentro de seu
personagem, uma alternância entre sujeito elegante, metido a moderno, mas com
rompantes de fúria quando ludibriado e passado para trás. Verdade seja dita, o
ator deveria fazer mais vilões, o manto das diabruras lhe caiu muito bem. Com
relação ao restante do elenco, a atriz Kerry
Washington, que faz a esposa de Django, entrega uma atuação comum, sem
grandes contornos, até pelo seu pouco tempo em cena. Django Livre
ainda conta com participações mais do que especiais de veteranos como Don Johnson, o lendário ator italiano Franco Nero e o jovem ator de comédias, Jonah Hill.
Não poderia terminar sem falar da
trilha sonora de Django Livre. Tarantino
tem um declarado apreço pessoal em garimpar canções especiais para suas obras.
Aqui, não poderia ser diferente. O diretor pincelou canções significativas de
faroestes italianos, americanos, assim como quatro temas compostos pelo mestre Ennio Morricone. Entretanto, o polêmico hip-hop do rapper Rick Ross e o dueto póstumo entre o também rapper Tupac e o rei do soul James Brown pontuam com bastante
propriedade duas das mais significativas cenas. Django Livre funciona tanto para os olhos quanto para os ouvidos.
Se perceberem, ainda não abordei os aspectos violentos da obra, advindos
principalmente de eloqüentes e bem dirigidas seqüências de tiroteio, para fazer
inveja a Sam Peckinpah e deixar Sergio Leone cheio de orgulho. Talvez
esse seja o Tarantino mais sangrento
de todos, até mais do que Kill Bill.
Violência gratuita em certos momentos, mas funcionando a favor do riso, em
outros, acaso das situações.
P.S: Django Livre foi indicado ao cinco prêmios no Globo de Ouro 2013: Melhor Diretor, Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante (Leonardo DiCaprio e Christopher Waltz) e Melhor Roteiro.
2 Comente Aqui! :
Nos últimos meses todos os filmes que eu ia ver no cinema, antes eu assistia o trailer de Django. Nem é preciso dizer que só pelo trailer já sentimos o poder e a qualidade do filme. Embora eu não acredite muito no faroeste do século XXI, (não consigo acreditar que o gênero emplaque novamente) estou curioso pra ver, é um dos muitos filmes que estou aguardando a estréia aqui em minha cidade....
Ótimo Post,
Grande Abraço
Filmaço mesmo! Um dos melhores do ano!
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