Resenha de Filme: Anna Karenina

23 de janeiro de 2013 1 Comente Aqui!

A novela mais famosa do escritor russo Leo Tolstoy (1828-1910), Anna Karenina, foi adaptada para outras mídias diversas vezes. Em 1935, a lendária atriz de origem sueca, Greta Garbo, interpretou a personagem russa na primeira produção Hollywoodiana sobre a trágica história de amor. Depois foi a vez de Vivien Leigh, em 1948, defender a esposa adúltera repudiada por uma sociedade em que ferir o matrimonio era quase um crime hediondo. Em 1967, foi à vez da própria Rússia (então União Soviética) trazer um apanhado de Karenina com elenco local. Perto do século XXI, mas precisamente em 1997, o cinema americano voltou à personagem, com a atriz francesa Sophie Marceau no papel-título. Entre tantas realizações cinematográficas que se debruçaram sobre o texto de Tolstoy, ainda contam uma mini-serie produzida pela TV britânica (2000) e inúmeras incursões teatrais. Inevitável, então, surgir à pergunta: por que adaptar novamente Anna Karenina?

Acredito que a resposta seja até bem simples: nada como uma história de amor elaborada com nuances pertinentes ao sentimento e viés um tanto trágico para atrair a atenção de um público ávido por histórias emocionantes e comoventes. Se essa premissa é explorada ao extremo em produções baratas, por que não apresenta-la a espectadores novos (e antigos também) de maneira totalmente criativa e inusitada? Apostando nessa ousadia de transcender certas convenções estéticas quando se fala de um épico, é que temos Anna Karenina do talentoso diretor inglês Joe Wright, de Orgulho e Preconceito (2005) e Desejo e Reparação (2007). Em minha opinião, a mais eficiente adaptação cinematográfica feita para a obra de Tolstoy. Apoiado no roteiro do Tcheco Tom Stoppard, que entre muitos textos, co-escreveu o do oscarizado Shakeaspeare Apaixonado (1999), o diretor conduz a história de forma até convencional no que toca a narrativa, sem tirar nem por as principais considerações de Tolstoy.

Se a trama segue uma linha tradicional de evoluir os fatos, com argumentação, contra-argumentação e desfecho climático ou e anti-climático, no meu ponto de vista, um acerto também, a concepção visual da obra é algo deslumbrante, um trabalho de direção de arte perfeitamente inventivo. Em tempos de produções que apostam com força em tecnologias de ponta para angariar público, Anna Karenina vai à contramão trazendo concepções visuais, em sua maioria artesanal, como os imensos cenários que compõe as diversas cenas filmadas dentro de um enorme teatro. Sim, o filme de Wright, inicialmente, parece uma grande peça de teatro, mas com o desenrolar, percebemos que seu trabalho transcende qualquer consideração que o englobe como uma simples representação teatral filmada. Creio que o mais certo seria afirmar que Anna Karenina de Joe Wright é o momento em que cinema e teatro se fundem, criando um hibrido perfeito do melhor de cada mídia audiovisual.

Do teatro, o diretor retira a direção de arte peculiar, onde cenários se sobrepõem com delicadeza, contando com a ajuda de contra-regras, que às vezes aparecem propositalmente em cena se fazendo de figurantes. Do cinema, a produção apresenta uma fotografia estonteante, trilha sonora soberba, que embala e marca com destreza as cenas de maior comicidade, romantismo, sensualidade e drama. Quanto ao figurino brilhante, essa é uma propriedade cara tanto ao cinema quanto ao teatro. Contudo, o diretor não se limita a separar tais características, a intenção é fundi-las, conjugando ambas de forma uníssona, onde o design de arte teatral ganha condições altamente realísticas e logo deixam de ser algo sintético, um mero artífice para a atuação. Nesse mise en scene único, entram também tomadas de câmeras com vistosos enquadramentos de encenação em profundidade e planos-sequência curtos, mas pontuais para nos lembrar da condição cinematográfica de Anna Karenina. Essa câmera prodigiosa passeia pelas coxias e bastidores, subindo e descendo escadas e criando um mundo a parte dentro do próprio filme.

Com tantas condições técnicas criadas com esmero e dedicação, o mínimo que se pode esperar são atuações eficazes. E nesse sentido, o invejável elenco, em sua maioria britânica também, capitaneada pela atriz Keira Knightley e os atores Jude Law e Aaron Taylor-Johnson não decepciona em nada. Essa citada trinca de protagonistas compõe o principal mote de Anna Karenina, onde Anna Karenina (Knightley) é a esposa do influente funcionário do governo, Alexei Karenin (Law), mas se envolve amorosamente com o capitão do exercito, o Conde Vronsky (Johnson). Tudo começa quando Anna, egressa de São Petersburgo, vai a Moscou para intervir o conflito criado entre sua cunhada quanto ao adultério cometido pelo seu irmão fanfarrão, interpretado por Matthew MacFadyen. Nesse meio tempo, ela se envolve com a preparação da jovem Kitty (Alicia Vikander) que irá debutar em um baile com o intuito de torna-se noiva do já citado Conde Vronsky. Entretanto, o tal baile serve apenas para despertar a atração mútua entre Vronsky e Anna.

Logo, Vronsky passa a perseguir Anna, e relutante, a mulher não se entrega tão facilmente, apesar do seu evidente olhar de desejo. O jogo de sedução é desfiado com bastante sensualidade, evocando desejo e libido na maioria das cenas, e tanto Keira Knightey quanto Aaron Taylor-Johnson demonstram uma entrega grande para com seus personagens. A Anna Karenina de Keira é uma mulher forte, mas deveras ingênua também e apegada a utopias, acredita que pode subjugar uma sociedade hipócrita, onde o adultério masculino é aceitável, mas o feminino repudiado. Enquanto o Vronsky de Johnson é o típico conquistador, macho alfa, mas com certas nuances covarde e dúbio quanto aos seus sentimentos. Karenina tem um respeito enorme por seu marido, que apesar de provedor, não lhe entrega uma afeição romântica e sem dúvida esse é o fator motivacional para a traição. Aqui, é importante ressaltar o trabalho de Jude Law, desprovido de charme e beleza, entrega um Alexei educado, bondoso, mas também cruel e vingativo quando necessário.   

Criando um paralelo, a trama tece o desenrolar da história de Kitty, decepcionada com sua idealização em relação à Vronsky, passa a ver os cortejos de Nikolai (David Wilmot) um jovem fazendeiro com posses, gentil e de caráter comunista, com outros olhos. Enquanto um romance encontra represálias e problemáticas para ser aceito, até mesmo quando o divorcio está encaminhado, outro parece se alicerçar sobre os preceitos de família. Assim, a narrativa começa a ganhar inevitáveis contornos trágicos e também é quando Keira Knightely toma o filme para si, mostrando seu talento para tipos trágicos e afetados pela imensa pressão psicológica. Não saberia afirmar ao certo se essa é a melhor atuação da atriz, mas, de fato, é uma das mais marcantes. Enfim, Anna Karenina é um filme com tantas ressalvas positivas, que eu poderia ainda tecer mais alguns parágrafos elogiando diversas características. Contudo, acreditando que mais uma vez me alonguei pela empolgação criada em apreciar uma obra tão esfuziante, fico por aqui e espero que os amigos leitores possam surpreender-se, deliciar-se e emocionar-se tanto quanto esse que vos escreve.




1 Comente Aqui! :

  • Tiago Britto disse...

    Creio que o mais certo seria afirmar que Anna Karenina de Joe Wright é o momento em que cinema e teatro se fundem, criando um hibrido perfeito do melhor de cada mídia audiovisual.

    Sensacional e a Direção de Arte é uma das melhores que já vi.

 
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