Cobertura e Crítica: Infância Clandestina (Infancia Clandestina, 2012)

5 de dezembro de 2012 0 Comente Aqui!
Infância Clandestina teve sua première no Brasil em São Paulo na Reserva Cultural, o cinema da distribuidora Imovision - a mesma que distribui o filme por aqui -, com a presença do diretor, produtor, atores, convidados e pouquíssimos lugares para o público.

Bilheteria do cinema - Reserva Cultural
Fotos: Erasmo Penteado

Fotos para todos os lados, uns biscoitinhos para comer antes da sessão e após o término da mesma houve um bate-papo descontraído com os realizadores do filme que estavam lá presentes.

Atriz brasileira Mayana Neiva
Fotos: Erasmo Penteado

Jean Thomas Bernardini, presidente da Imovision, antes do filme começar fez uma pequena introdução apresentando o diretor do filme, Benjamín Ávila, e o co-produtor brasileiro, Paulo Schmidt, da Academia de Filmes, para uma conversa rápida com o público.

Sala de exibição do filme
Fotos: Erasmo Penteado

O principal ponto que discutiram foi a parceria Argentina/Brasil, onde fizeram questão de falar que o Brasil, hoje em dia, tem uma relevância muito importante na sétima arte principalmente pela questão financeira. "Financiar o filme foi difícil", diz Paulo a uma certa altura da conversa na qual, resumindo, contava a dificuldade de reconstruir a época da Ditadura na Argentina, por volta dos anos 70. Mas também Paulo quis deixar claro que a co-produção vai além do investimento do capital, é uma troca cultural e de ideias, provoca debate que só tem acrescentar ao projeto. Por fim, exaltou a coragem que o diretor teve para contar a sua própria história que, segundo ele, foi feita com muito carinho, talento e sensibilidade.

Paulo Schmidt e Benjamín Ávila
Fotos: Erasmo Penteado

Benjamín Ávila também disse algumas palavras, mas nada muito diferente do que disse o co-produtor. Reforçou a dificuldade para financiar, agradeceu a Academia de Filmes e a importância do Brasil no projeto, falou que foi ótimo trabalhar com atores brasileiros e finalizou dizendo que era uma história pessoal desejando um bom filme a todos.

Bom, então vamos ao filme!

Cartaz do filme
Fotos: Erasmo Penteado

Todos os países que passaram por uma forte ditadura tem seu período refletido no cinema. Sendo por documentário, que relatam a tristeza que é viver no período de um modo realista ao extremo, como na ficção que às vezes pode suavizar ou até piorar (se é que dá) a realidade daquele período. A questão política, aliás, de um modo geral, é um tema muito explorado e sempre rendeu obras cinematográficas magníficas. Infância Clandestina, que retrata o período da ditadura na Argentina, é uma dessas obras que merecem ser vista. Filme candidato a concorrer por uma vaga pela Argentina para categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2013, eu diria que já está com um dos pés entre os cinco finalistas. Primeiro longa ficcional do diretor Benjamín Ávila - roteirista do mesmo junto com Marcelo Müller -, retrata uma parte da vida de Juan (personagem inspirado no próprio diretor). O filme, apesar de ficcional, tem muito de autobiográfico.

O nome Juan, é inspirado no Juan Domingo Perón, um militar e político argentino. O filme começa na época em que Perón morreu e sua segunda esposa María Estela Martínez de Perón ocupou a presidência da Argentina. Havia um combate forte entre os peronistas e os anti-peronistas, assim quando Perón morreu, os peronistas se enfraqueceram e os militantes anti-peronistas tomaram o poder. A câmera de Benjamín acompanha Juan - que está em todas as cenas do filme de algum modo - e seus pais (ativistas pró-Perón) chegando em casa, descendo do carro e indo em direção à porta, numa noite que parecia tranquila, e então aproxima-se um carro suspeito e de repente tiros para todos os lados.

A cena continua através de desenhos de histórias em quadrinhos, muito bem desenhadas e coloridas por Andi Rivas, para - à primeira vista - amenizar a violência vista por Juan (Teo Gutiérrez Romero), que ainda é uma criança. Mas não foi bem isso que o diretor pensou quando inseriu na narrativa os quadrinhos. Em entrevista após a sessão do filme em Cannes, deste ano, ele explica que a intenção dele era envolver o público, onde as pessoas iriam projetar suas próprias imagens reais na história. Inteligente escolha do diretor, pois é exatamente isso que eu penso sobre as histórias em quadrinhos. Eu como fã, encaro os desenhos como um gancho para sua imaginação fluir ainda mais do que simples palavras engajadas entre frases e parágrafos (O diretor usa novamente esse recurso terceiro ato. Pode-se dizer que essas duas cenas sejam cenas-chaves: o início e o fim de uma jornada. Lá pelos anos 30, quando os quadrinhos foram criados, as primeiras histórias foram sobre heróis. Será Juan um herói?). A cena termina e nenhuma morte. Estão todos vivos e bem. Mas como consequência são obrigados a fugir da Argentina.

Três anos se passam e a Argentina ainda está sob comando dos militantes, mas os pais de Juan (que está com 12 anos agora) decidem regressar - clandestinamente - ao país de origem. Dois personagens, interpretados pelos brasileiros Mayana Neiva e Douglas Simon, ajudam Juan a entrar no país. Você pode pensar "Nossa, que irresponsabilidade dos pais, Juan ainda é um menino. Eles não correm perigo?", sim eles correm perigo mas no primeiro ato ainda se encontra a resposta para essa pergunta. Horácio (César Troncoso) e Cristina (Natalia Oreiro), os pais de Juan, cantam uma música que diz "Coração não sabe pensar". Eles possuem uma ambiciosa esperança. Movidos pelo ideário peronista, voltam a Argentina para lutar contra os militantes. Nas reuniões de grupo sempre brindam com a fala "Perón ou morte. Viva a pátria".

Para levar uma vida normal, Juan agora tem um novo nome: Ernesto (homenagem a Che Guevara). Vai a escola, tem suas amizades e conhece a garota María (Violeta Palukas), que rende um romance belíssimo. O diretor aqui idealiza o romance e a própria María de certa forma. Ávila revela-se um especialista em capturar expressões corporais com seus close-ups fechadíssimos que ganham significados com naturalidade, vide a cena em que Juan e María estão na floresta. Dois jovens, um amor inocente em meio a natureza. Não existiria lugar mais ideal que este. Tem-se aquele clichê de Juan estar completamente apaixonado e decide fugir de casa para viver com seu grande amor, mas todo o romance em si é mostrado de um modo tão genuíno, feito com tanto cuidado e muito bem narrado que a gente acaba comprando sem pestanejar.

Juan tem um tio chamado Beto, irmão de Horácio, que é um dos pontos altos da trama. Interpretado por Ernesto Alterio, em performance admirável, tio Beto tem uma conversa icônica com Juan sobre amendoim de chocolate. Não vou explicar, mas quem assistiu ao filme sabe do que eu estou falando. O que acontece relacionado a isso é lindo e ganha muito significado para Juan. Beto é outro personagem idealizado que serve de espelho para o pré-adolescente o qual está na idade de se transformar, já não sendo mais "criança" busca ter suas atitudes e pensamentos próprios reconhecidos pelos pais.

Outra coisa marcante que dá mais força dramática à história no filme é a discussão entre a avó de Juan, Amália (Cristina Banegas), e seus pais. Amália tem um medo visceral de que coisas ruins possam vir acontecer e entra em conflito com sua filha Cristina, tentando convencê-la a sair de Buenos Aires porque, afinal, ela tem uma neta. Sim, uma bebê, personagem subaproveitada na história, mas que só por ela estar presente neste meio já causa uma tensão violenta.

Fica claro durante o filme todo que alguma coisa irá acontecer. O perigo é iminente. Mas é aquilo: eles tem esperança, e é isso que os move. Por isso eu digo que esse filme já está com um dos pés entre os indicados finais ao Oscar 2013. O Oscar gosta quando existe um filme de boa qualidade e que emociona. Infância Clandestina é realmente muito bonito, com uma fotografia esplêndida, mostra o ser humano encarando uma difícil realidade sem deixar de lado suas convicções.

Clandestino, de acordo com o dicionário (dicio.com.br), é a palavra que pode se referir aquele que é contra leis ou moral. Ou seja, Juan teve uma infância sem moral, que não seguiu as leis de uma infância normal de uma criança, foi privado de muitas coisas essenciais e obrigado a encarar um outro tipo de vida. Ele não escolheu viver assim, foi apenas vítima da tristeza de uma ditadura.


Trailer do Filme:

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