Crítica de Dia das Bruxas: Eles Vivem (They Live)

31 de outubro de 2012 2 Comente Aqui!
Admirador confesso da literatura fantástica, o diretor John Carpenter adaptou para o cinema alguns de seus contos favoritos, um deles foi o texto de Ray Nelson, um obscuro escritor nova-iorquino dos anos 50. Intitulado “Eight O´clock for the morning” ganhou o titulo cinematográfico original They Live (no Brasil Eles Vivem). Se o conto de Nelson trazia um enfoque fantasioso sobre o avanço comunista, o filme de Carpenter, realizado em 1988, época em que a guerra fria estava em uma curva amplamente descendente e também da afirmação da TV como ferramenta construtora de opinião, o cineasta aposta em uma crítica ácida e bem humorada sobre a influência da mídia, principalmente estimulando o consumismo material, estético, destituindo as pessoas de senso critico e manipulando a população em prol de lucros estratosféricos.

Por isso, torna-se genial pensar que o diretor caracterize os vilões, alienígenas conquistadores, como empresários inescrupulosos. Nada de sabres de luz ou guerra apocalíptica e muito menos algum tipo de religião que equilibre os status quo, eles vivem entre nós infiltrados, aparentemente desde sempre, ora como simples cidadões ora como poderosos lideres e utilizam do nosso sinal de TV para emitir as ondas que comandam a população. Eis que um grupo rebelde aprimora uns óculos que bloqueiam a influência dessas ondas, fazendo com que se enxergue a realidade do mundo, onde os programas televisivos, cartazes, revistas, adesivos emitem mensagens subliminares como “Obedeça!”, “Mantenha-se acordado.”, “Não Imagine.”, “Submeta-se a autoridade.” Um controle mental oculto, eficiente, onde até humanos não menos gananciosos, sabedores do processo, não se refutam a aceitar e trair seus iguais em troco de ganhos financeiros.

Em meio a esse quadro de caos velado, eis que entra o nosso protagonista, George Nada (Roddy Piper), um misterioso estranho sem passado, daqueles caladões que habitaram o imaginário dos filmes de ação oitentistas. A sua trajetória, inevitavelmente, conflui com a dos rebeldes. Apesar de parecer um personagem um tanto clichê, e não deixa de ser mesmo, George convence como representação do sujeito comum que acorda para a uma realidade assustadora. Claro que como obra apostando em uma pegada de aventura, para assim conquistar a simpatia do espectador, é louvável que não deixe de ter suas discussões pertinentes e ainda atuais, a priori essa dominação massiva e muitas vezes negativa de veículos televisivos tendenciosos. No entanto, o filme se despe sem cerimônias das divagações filosóficas para colocar George como a figura do “caçador de aliens”, afinal, a justiça com as próprias mãos, quando vista no cinema, e ainda sendo justificável, é catalisadora mor das atenções.

A falta de uma capacidade intelectual maior ou mais inventiva faz com que George procure pelas soluções mais simplistas possíveis, como matar o maior número de alienígenas “chupa sangue” que puder. Por isso acredito que o diretor John Carpenter conceba o personagem como um action-hero tradicional de forma proposital e não aproveitadora, criando até um simbolismo de interação entre protagonista e platéia. Talvez um cientista intelectualizado, cheio de soluções tecnológicas, não tivesse o mesmo alcance na criação de alguma das metáforas apresentadas. A sugestão (não confirmada) de que George apareça como um ex-combatente de alguma guerra pré-fabricada pelos EUA faz com que a sensação de deslocamento maior em meio a uma sociedade conformista seja potencializada. Uma breve monologo exalta essa impressão: “Antes íamos para rua brincar, passeávamos, agora só ficamos sentados em frente a TV.”

Nos quesitos visuais, tradição particular do diretor, John Carpenter continua apresentando a conhecida competência e sabedoria para driblar as limitações de um orçamento moderado. Quando se coloca os óculos, o mundo real é apresentado com um visual preto e branco sci-fi dos anos 50, provavelmente até aproveitando-se de influências encontrada no material original e assim rende efeitos especiais que embora possam parecer minimalistas, são eficientes e trazem um bem-vindo charme retrô para a obra. A trilha sonora senão é uma maravilha, pontua com qualidade os momentos de tensão e guia o espectador por uma narrativa sem grandes maquinações, mas afiadamente agradável de acompanhar, não estranhe se ao final sentir vontade de recomeçar o filme. Mesmo que Eles Vivem não seja o melhor e nem o mais marcante trabalho desse valoroso diretor, ainda assim é uma realização que se destaca em uma filmografia de filmes notavelmente divertidos, uma qualidade importante que Carpenter nunca deixou de se preocupar.



2 Comente Aqui! :

  • Hugo disse...

    Sou grande fã de Carpenter e seus melhores filmes são aqueles com cara e roteiro de produção B.

    Este "Eles Vivem" é ao mesmo tempo divertido e crítica quanto a alienação das pessoas.

    Foi curiosa também a escolha do elenco. Roddy Piper era astro de luta-livre e o negro Keith David um eterno coadjuvante, quase sempre como vilão.

    Deu vontade de rever.

    Abraço

 
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