Especial Howard Hawks: O Sargento York (Sergeant York,1941)

11 de setembro de 2012 1 Comente Aqui!
1

Eis que esse humilde espectador esta aqui, novamente, para falar sobre uma realização do diretor americano Howard Hawks. Se os últimos dois filmes aqui resenhados (“O Paraíso Infernal” e “Jejum de Amor”) estão no patamar de produções cinco estrelas desse realizador, o mesmo não pode ser dito de “Sargento York”. Porém, mesmo não sendo uma obra-prima, a realização aqui em questão mostra muitas qualidades positivas, sendo agradável de assistir. Se for vista sem ser comparada com outros trabalhos do diretor, pode fácil ser considerada acima da média de muitos trabalhos da era clássica do cinema. Vale lembrar que “Sargento York” é uma superprodução de sua época, o filme mais caro de Hawks, que ao todo, contava com quase 80 cenários. Um trabalho de construção minucioso, de uma estética perfeita, que facilmente envolve o público em sua aura de beleza e ingenuidade. Então, vamos logo aos fatos que permeiam essa marcante realização, roteirizada por John Huston e considerada pelo próprio Hawks como um de seus mais importantes trabalhos.

Ressalto que estamos em uma produção de 1941, um ano relativamente marcante para os EUA. Por quê? Essa data marca a entrada do exercito americano na segunda guerra mundial, devido, principalmente, ao ataque a base americana de Pearl Harbor. Apesar de ser do mesmo ano, o filme de Hawks é anterior a esse acontecimento, mais um detalhe que não pode deixar de ser abordado. A história é baseada na vida de um herói americano da primeira guerra, o sargento York do título. Pode parecer propaganda? Infelizmente pode, mas não se enganem tão facilmente pela aparente embalagem factóide, o filme vai além, pois a intenção é de se levantar a moral de uma nação. Apesar de muitos especialistas afirmarem que o verdadeiro York era muito parecido (na vida simplória) com o interpretado (de forma competente) por Gary Cooper, ainda assim, acredito que o filme parte apenas da sua figura heróica e histórica, não se prende a ser um registro fidedigno. Uma ficção baseada em um personagem real. 

Vejam bem, para hoje em dia, Sargento York pode ser considerado um tanto ufanista, mas não ache estranho, no seu próprio tempo ele foi muito criticado por ser visto como uma obra pró-guerra. Talvez esse sentimento tenha sido ampliado por o filme ter tido seu lançamento em um ano tão marcante. Invariavelmente foi apontado como peça motivadora para levar jovens para as linhas inimigas. Eu continuo acreditando que Hawks não tinha essa explicita intenção, mas pode ter funcionado involuntariamente. Até porque, quem assistir ao filme, vai perceber que é uma obra sobre a jornada de transformação de um homem e apesar de edificante, não tem um tom meramente enaltecedor aos meandros pelos quais ele transita. Afinal, “Sargento York” é um filme sobre heroísmo, coragem e sacrifícios, daquelas obras que os americanos são (ou já foram) craques em fazer.

Alvin Cullum York é um fazendeiro do Tenessee, assim como o lendário herói americano Daniel Boone (um dos colonizadores da mesma região). Com seu jeito caipira, York leva uma vida desordenada e confusa, tenta arar sua pobre terra, enquanto enche a cara de uísque e arruma brigas em bares locais. Ele é o homem provedor de sua família (formada por dois jovens irmãos e sua mãe idosa). Em uma de suas brigas, ele percebe que precisa melhorar de situação, galgar uma vida mais digna. Assim ele resolve adquirir uma terra de melhor qualidade, mas não tem dinheiro suficiente para tal, o que o leva a fazer um contrato/acordo de risco com o proprietário. Nesse inicio, acompanhamos e nos importamos com aquele homem que se sacrifica arduamente para angariar os tais 120 dólares (para pagar o terreno) que o proporcionariam uma nova chance na vida. Dá gosto de ver o pleno domínio na montagem dessas cenas, dando um ritmo impressionantemente ágil e culminando no primeiro clímax do filme, aonde York vence uma disputa de tiro ao alvo (em perus) e mostra todo o seu talento no manejo de um rifle.

O desenrolar negativo em relação à compra das terras, mesmo tendo vencido o torneio, leva York a um processo auto-destrutivo. Depois de se embebedar, vai parar em uma igreja evangélica, onde é convertido. Nesse segundo ato, confesso que certos momentos me incomodam, porque a transformação espiritual do personagem não é tão crível e o diretor mostra de uma maneira muito rasa essa transição de um homem beberrão e durão, para um sujeito compreensivo e seguidor da bíblia. É certo que Hawks queria marcar essas passagens com momentos mais românticos e conciliadores, nos levando por seqüências que mostram o romance casto entre York e a bela Gracie Willians (Joan Leslie) e a sua sincera amizade com o pastor Rosier Pile (Walter Brennan), trazendo para o filme fortes marcas de virtudes morais. Resultado: temos uns 30 minutos repletos de clichês, que não chegam a incomodar tanto, até porque o diretor domina muito bem o uso de tais artifícios. A essa altura, mesmo percebendo que o filme tenta manipular nossas emoções, estamos envolvidos pela trama e seus acontecimentos.

Então, os EUA resolvem entrar no conflito da primeira guerra e sai recrutando por todo o país. York é completamente contra se alistar e cogita até deserdar, mas é destituído da idéia pelo pastor que acredita que “Deus escreve certo por linhas tortas”. Afinal, em seu melhor momento da vida, prestes a se casar, ascendendo profissionalmente, York é obrigado a ir à guerra e aquilo não o agrada nem um pouco. No quartel, em meio a treinamentos, os oficiais percebem que o agora sargento York é um talento nato e não se furtam a elevarem sua patente. Ele não se mostra receptivo, pois é contra a guerra e suas motivações e acredita que Deus também não aprove tais atos (como matar alguém). A essa altura, mesmo sem querer, ele já é bem visto pelo batalhão. Em um dos momentos mais importantes desse recorte da trama, um dos oficiais faz um discurso sobre liberdade, fazendo analogias com a bíblia, que enchem a cabeça do sargento de indagações. Liberado para pensar sobre o seu futuro, York volta a sua terra, o que rende uma belíssima e imponente cena, ao pé de um rochedo, cheia crepúsculos e sombras, aonde o homem toma sua decisão de ir à guerra de fato (já que corria processo, expedido pelo próprio, para que fosse afastado do exercito).

Se em dois terços do filme acompanhamos uma trama envolvendo problemáticas dramáticas e de caráter do personagem, no terço final, somos brindados com um dos melhores e mais lembrados momentos do filme e da carreira de Hawks. Novamente (assim como em “Caminho para Glória”), Hawks suprime toda a representação de guerra para uma sensacional seqüência em que York, sozinho, captura um batalhão inteiro de alemães. Mais uma vez, o trabalho de montagem é caprichado, dando um tom movimentado e realístico aquele imenso cenário de conflito. Vejo nessa seqüência uma clara inspiração para elogiados “filmes de guerra”, como “O Resgate do Soldado Ryan” de Spielberg.  Apesar de ser uma realização que não contem críticas tão ácidas ou contundentes como em obras anteriores, ainda assim temos um típico Hawks. Encontramos elementos recorrentes em sua filmografia, como personagens cômicos, romantismo, camaradagem masculina, heroísmo (claro), valores de retidão moral (como a mãe de York, que surge quase como uma santa na história). Um detalhe interessante e que pode passar despercebido, é uma sutil homenagem que o diretor faz a um dos cineastas mais importantes de todos os tempos. Em uma cena em que York leva um soco e cai para trás dando uma cambalhota, não tenho dúvida de que seja uma singela referencia ao Carlitos de Charles Chaplin.

“Sargento York” recebeu onze indicações ao prêmio do Oscar (filme, diretor, roteiro, ator principal, ator coadjuvante, atriz coadjuvante, edição, fotografia, direção de arte, música e som). Foi agraciado com a de Melhor Ator (para Gary Cooper) e Edição, realmente merecida, pois o trabalho do talentoso William Holmes é primoroso. Uma obra cheia de detalhes, divertida, romântica e emocionante. Ainda envolta em toda uma áurea histórica e com seu lugar garantido no panteão da Sétima Arte. Vale muito ser conhecida e apreciada, mas deve-se ter ciência que não é o melhor trabalho do mestre do cinema Howard Hawks.



1 Comente Aqui! :

  • Hugo disse...

    A primeira parte que se desenrola na pequena cidade é interessante e até engraçada em alguns momentos em virtude do carisma do personagem de Gary Coooper, mas considero que parte final na guerra envelheceu um pouco.

    A montagem é bem feita, mas as cenas de ação exageram no heroísmo do personagem, deixando claro que um dos objetivos do filme era ser utilizado como propaganda de guerra.

    Abraço

 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...