Entrevista com Breno Silveira, Diretor de Gonzaga - De Pai para Filho

29 de setembro de 2012 0 Comente Aqui!

Fonte: Agência Primeiro Plano.

- Depois de '2 Filhos de Francisco', o que te levou a voltar a uma biografia?

Não são biografias que me interessam, mas boas histórias, que emocionem e toquem em questões universais, sentimentos que digam respeito a todas as pessoas. Eu gosto de falar de laços. Há sete anos, a Marcia Braga, produtora, e a Maria Hernandez, idealizadora do projeto,  me procuraram com umas fitas cassetes gravadas pelo Gonzaguinha, em que ele tentava resgatar a história do pai, através de 15 horas de conversa entre os dois. Quando eu comecei a escutar, em cada fita eu percebia a emoção deles e ia me emocionando também. Fiquei impressionado ao entender que pai e filho estavam se conhecendo ali.  Até que, numa das últimas fitas, o Gonzaguinha dizia: “Estou entrando no sertão, sertão que era do meu pai. À minha direita tem uma lua... Deve ser ele, o Velho Lua me olhando... Eu não conheci meu pai direito e, amanhã, é o enterro dele”.  Fiquei emocionado e com vontade de contar essa história.

- Você já tinha alguma relação com Luiz Gonzaga e Gonzaguinha?

Minha família, por parte de pai, é pernambucana. Meu avô escutava muito Luiz Gonzaga. Então, pra mim, ele sempre foi um mito, o artista mais importante da cultura nordestina. Luiz Gonzaga é raiz da nossa cultura. Por outro lado, meu pai, que é de esquerda, escutava muito Gonzaguinha, de quem eu tive vários discos. A obra dos dois, pra mim, não era novidade, sempre admirei, mas a relação deles, sim. Sinto uma responsabilidade enorme em retratar esse mito. Nenhum filme daria conta da vida de Luiz Gonzaga. Escolhi um olhar, um recorte, para contar  a história do pai através do filho.

- Como foi o processo de seleção dos atores que interpretam as diferentes fases da vida de Gonzagão?

Foi difícil. Um dos maiores desafios desse filme. Fiquei um ano e meio fazendo testes para encontrar quem fizesse Luiz Gonzaga. Procurei vários atores, mas nenhum deles era parecido. Aí resolvi partir para a realidade. A produtora de elenco, Cibele Santa Cruz, desbravou o Nordeste. Chegamos a ter cinco mil candidatos a Gonzagão. Poucos deles eram atores profissionais (risos). E, assim como em '2 Filhos de Francisco', em que a gente apostou em dois meninos que eram músicos, o mesmo aconteceu com o Gonzagão.  A princípio, chamamos dois atores, um sanfoneiro, um guia de museu e um cantor de trio elétrico para fazer um laboratório de um mês no Rio de Janeiro com o preparador Sérgio Penna.  Foi um processo louco, divertido. O tempo todo eles perguntavam onde estavam as câmeras daquele “Big Brother”. Depois de muito trabalho, entendi que nenhum deles reunia todas as características que eu procurava, ou seja, ser parecido com Luiz Gonzaga, tocar sanfona, cantar bem e atuar. Acabei escolhendo o Chambinho do Acordeon para viver Gonzagão a partir dos 30 anos. Ele trazia alguma coisa no sorriso, um jeito matuto e safado, que o Gonzagão tinha, além de ser um exímio sanfoneiro, com uma voz muito parecida com a do personagem. Já o Adélio Lima, que é guia do Museu Luiz Gonzaga, em Caruaru, revelou-se um ator brilhante, uma surpresa maravilhosa para mim. Quando o escolhi, dei a notícia com muita alegria e também aliviado por ter finalmente chegado ao fim desse processo de escolha e, de repente, me disseram:  “Breno, volta lá que o 'cara' está chorando”. Era o sonho do Adélio. Nada foi tão difícil na minha vida como escolher os três atores para fazer esse único personagem. O Land, que faz o personagem até os 20 poucos anos, e já era ator, foi o único que não participou dessa preparação.

 - E os atores que interpretaram Gonzaguinha?

Foi totalmente diferente, o oposto. No primeiro dia de testes, adentrou o estúdio um cara igual ao Gonzaguinha. Com jeito arrogante, cigarro na mão, magro, barbudo, ele perguntou: “Posso cantar?”. Eu disse que sim, claro.  Para minha surpresa, a voz , o jeito, tudo era igual ao do personagem. Achei que tinham levado um sósia para lá. Mas quando dirigi a primeira cena, entendi que eu estava de frente para um grande ator. Só depois fui saber que era o Júlio Andrade, que se caracterizou para ganhar o papel. Para mim, Julinho reencarnou o Gonzaguinha e se revelou uma maravilhosa parceria. O que ele fez no filme é realmente espetacular. O Giancarlo Di Tommaso veio por meio de testes também. E o Alison Santos eu já conhecia. Ele foi um dos meninos que eu trabalhei para o papel de Duda em 'À beira do caminho'.

- O restante do elenco você já tinha em mente?

Eu sempre quis trabalhar com a Nanda Costa. Ela fez um teste para 'À beira do caminho' em que eu fiquei impressionado. Com a Cyria Coentro eu já tinha trabalho no 'Era uma vez... ' e, tanto ela quanto o Claudio Jaborandy são excelentes atores e me conquistaram pelas atuações sinceras e realistas. João Miguel foi uma participação afetiva e Domingos Montagner, um grande encontro. Silvia Buarque, Luciano Quirino, Roberta Gualda, Cecília Dassi, Zezé Motta foram todos muito importantes para o trabalho.

- Esta é a sua quarta parceria com a roteirista Patrícia Andrade, como foi este trabalho?

A Patrícia é minha grande amiga e parceira no cinema. Fizemos '2 Filhos de Francisco', 'Era Uma Vez...', 'À Beira do Caminho' e, agora, 'Gonzaga – De pai pra filho'.  O olhar dela nas minhas histórias é muito importante, pois traz uma forma de contar com delicadeza. O trabalho da emoção é algo que ela entende bem. Ela participa de todo processo, me ajuda na escolha de elenco, na edição, no set. Eu gosto de levar a roteirista para o set. Uma coisa é escrever no Rio de Janeiro, outra é estar no local da cena. A realidade sempre nos apresenta coisas novas, a riqueza que a gente vai ganhando durante o filme não pode ser desprezada. Em todos os meus filmes, muitas coisas foram incorporadas com a vivência da roteirista no set. Descobrem-se diálogos, pessoas, jeitos de falar.

- Como foram as filmagens?

Este foi o maior filme que eu fiz na vida, uma superprodução, um épico. Rio de Janeiro de época, Nordeste, favela, 200 atores, uma equipe gigantesca e itinerante. Cenas com mais de 600 figurantes. Eu sempre soube que era um filme grande, não foi à toa que ele demorou sete anos para ser feito. Eu aprendi que nada com Gonzaga é pequeno. Nunca tive ao meu lado uma equipe tão talentosa e profissional. Uma direção de arte, do Claudio Amaral Peixoto, impecável, recriando cenários melhores do que eu sonhei para o filme; Figurino, da Anna Avelar e Claudia Kopke, feito com um cuidado extremo. Lembro-me de nunca ter visto um figurante que não estivesse devidamente caracterizado para qualquer época. Tudo com delicadeza nos detalhes. Na fotografia, descobri outro grande parceiro. Sou fotógrafo de alguns filmes nacionais e, como diretor, nunca me entendi tão bem com um fotógrafo no set. Adrian Teijido  tem um olhar muito parecido com o meu e a fotografia do filme, na minha opinião, é brilhante. Isso sem contar com uma parceria antiga com Valéria Ferro e Renato Calaça no som. Sinceramente, eu nunca vi uma equipe trabalhar tanto e com tanto empenho e prazer como nesse filme. E foi igual na edição. Começamos com cinco editores para poder dar conta de todo o material no pouco tempo que tínhamos. Para reger essa turma, estavam Gustavo Gianni e Vicente Kubrusly, meu parceiro de todos os filmes, que sempre edita com o coração.

- Qual a sua relação com música de um modo geral?

Se eu tivesse que começar de novo a minha carreira, eu seria músico, por isso a minha ligação com os filmes que trazem esse tema. O meu pai toca diversos instrumentos. Num dia de filmagem, lembro que minha mãe me ligou dizendo “Filho, o seu pai está aqui tocando com o Chambinho” (risos). Eu aprendi a tocar violão quando era pequeno e minha casa sempre viveu rodeada de músicos. Mas, apesar da minha paixão por música, minha intuição me levou em direção à fotografia e ao cinema.

- Como foi feita a escolha das músicas e a gravação das cenas de shows?

O processo de escolha das músicas para mim nunca vai acabar. Gonzagão é fantástico, são 300 músicas e no filme são cerca de 15 dele e três do Gonzaguinha. Se eu pudesse, colocava muito mais. A música do Gonzagão conta um pouco a história dele e eu a uso não apenas como trilha sonora, mas como linha para ajudar a entender essa história que vai sendo traçada. O Gonzaga é um músico muito importante, é a própria festa junina. Tem uma frase engraçada que o Gonzagão fala “Eu deixei de ser Gonzagão, hoje em dia eu sou um tal de folclore”. O Gilberto Gil disse que das três raízes da música popular brasileira hoje uma delas é Gonzagão. A influência dele é enorme. Ele é um grande porta-voz do Nordeste.


Breno Silveira é sócio da Conspiração Filmes, em 2005 o seu primeiro longa-metragem, '2 Filhos de Francisco – A História de Zezé Di Camargo & Luciano', uma das maiores bilheterias do cinema nacional pós-retomada e a indicação brasileira ao Oscar 2006 de melhor filme estrangeiro. Em 2008, Breno filmou seu terceiro longa-metragem, 'À Beira do Caminho', estrelado por João Miguel e Dira Paes. Formado em fotografia de cinema pela École Louis Lumière Vaugirard, de Paris, Breno já assinou como fotógrafo mais de dez longas-metragens, incluindo 'Carlota Joaquina', de Carla Camurati; 'Gêmeas' e 'Eu Tu Eles', ambos de Andrucha Waddington; 'Bufo & Spallanzani', de Flavio Tambellini e 'O Homem do Ano', de José Henrique Fonseca. Ele começou sua carreira em cinema fotografando os documentários 'Santa Marta – Duas Semanas no Morro' e 'Boca de Lixo', ambos do diretor Eduardo Coutinho. Em TV, dirigiu musicais e diversos videoclipes, que lhe renderam mais de dez MTV Awards, entre melhor fotografia, melhor direção e melhor videoclipe do ano. Em 2002, dirigiu o documentário 'Amyr Klink – Mar Sem Fim', exibido na GNT e no programa Globo Repórter, da TV Globo. Consagrado no mercado publicitário, com campanhas para marcas como a General Motors, Ford, Honda, Itaú e Mastercard, entre outras, foi eleito o melhor diretor de publicidade, em 2002, pela Associação Brasileira de Propaganda

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