Fonte: Agência Primeiro Plano.
- Depois de '2 Filhos de Francisco', o que te levou a voltar a uma biografia?
Não são biografias que me interessam, mas boas
histórias, que emocionem e toquem em questões universais, sentimentos que digam
respeito a todas as pessoas. Eu gosto de falar de laços. Há sete anos, a Marcia
Braga, produtora, e a Maria Hernandez, idealizadora do projeto, me
procuraram com umas fitas cassetes gravadas pelo Gonzaguinha, em que ele
tentava resgatar a história do pai, através de 15 horas de conversa entre os
dois. Quando eu comecei a escutar, em cada fita eu percebia a emoção deles e ia
me emocionando também. Fiquei impressionado ao entender que pai e filho estavam
se conhecendo ali. Até que, numa das últimas fitas, o Gonzaguinha dizia:
“Estou entrando no sertão, sertão que era do meu pai. À minha direita tem uma
lua... Deve ser ele, o Velho Lua me olhando... Eu não conheci meu pai direito
e, amanhã, é o enterro dele”. Fiquei emocionado e com vontade de contar
essa história.
- Você já tinha alguma relação com Luiz Gonzaga e
Gonzaguinha?
Minha família, por parte de pai, é pernambucana.
Meu avô escutava muito Luiz Gonzaga. Então, pra mim, ele sempre foi um mito, o
artista mais importante da cultura nordestina. Luiz Gonzaga é raiz da nossa
cultura. Por outro lado, meu pai, que é de esquerda, escutava muito
Gonzaguinha, de quem eu tive vários discos. A obra dos dois, pra mim, não era
novidade, sempre admirei, mas a relação deles, sim. Sinto uma responsabilidade
enorme em retratar esse mito. Nenhum filme daria conta da vida de Luiz Gonzaga.
Escolhi um olhar, um recorte, para contar a história do pai através do
filho.
- Como foi o processo de seleção dos atores que
interpretam as diferentes fases da vida de Gonzagão?
Foi difícil. Um dos maiores desafios desse filme.
Fiquei um ano e meio fazendo testes para encontrar quem fizesse Luiz Gonzaga.
Procurei vários atores, mas nenhum deles era parecido. Aí resolvi partir para a
realidade. A produtora de elenco, Cibele Santa Cruz, desbravou o Nordeste.
Chegamos a ter cinco mil candidatos a Gonzagão. Poucos deles eram atores
profissionais (risos). E, assim como em '2 Filhos de Francisco', em que
a gente apostou em dois meninos que eram músicos, o mesmo aconteceu com o
Gonzagão. A princípio, chamamos dois
atores, um sanfoneiro, um guia de museu e um cantor de trio elétrico para fazer
um laboratório de um mês no Rio de Janeiro com o preparador Sérgio Penna.
Foi um processo louco, divertido. O tempo todo eles perguntavam onde estavam as
câmeras daquele “Big Brother”. Depois de muito trabalho, entendi que nenhum
deles reunia todas as características que eu procurava, ou seja, ser parecido
com Luiz Gonzaga, tocar sanfona, cantar bem e atuar. Acabei escolhendo o
Chambinho do Acordeon para viver Gonzagão a partir dos 30 anos. Ele trazia
alguma coisa no sorriso, um jeito matuto e safado, que o Gonzagão tinha, além
de ser um exímio sanfoneiro, com uma voz muito parecida com a do personagem. Já
o Adélio Lima, que é guia do Museu Luiz Gonzaga, em Caruaru, revelou-se um ator
brilhante, uma surpresa maravilhosa para mim. Quando o escolhi, dei a notícia
com muita alegria e também aliviado por ter finalmente chegado ao fim desse
processo de escolha e, de repente, me disseram: “Breno, volta lá que o
'cara' está chorando”. Era o sonho do Adélio. Nada foi tão difícil na minha
vida como escolher os três atores para fazer esse único personagem. O Land, que
faz o personagem até os 20 poucos anos, e já era ator, foi o único que não
participou dessa preparação.
- E os atores que interpretaram
Gonzaguinha?
Foi totalmente diferente, o oposto. No primeiro
dia de testes, adentrou o estúdio um cara igual ao Gonzaguinha. Com jeito
arrogante, cigarro na mão, magro, barbudo, ele perguntou: “Posso cantar?”. Eu
disse que sim, claro. Para minha surpresa, a voz , o jeito, tudo era
igual ao do personagem. Achei que tinham levado um sósia para lá. Mas quando
dirigi a primeira cena, entendi que eu estava de frente para um grande ator. Só
depois fui saber que era o Júlio Andrade, que se caracterizou para ganhar o
papel. Para mim, Julinho reencarnou o Gonzaguinha e se revelou uma maravilhosa
parceria. O que ele fez no filme é realmente espetacular. O Giancarlo Di
Tommaso veio por meio de testes também. E o Alison Santos eu já conhecia. Ele
foi um dos meninos que eu trabalhei para o papel de Duda em 'À beira do
caminho'.
- O restante do elenco você já tinha em mente?
Eu sempre quis trabalhar com a Nanda Costa. Ela
fez um teste para 'À beira do caminho' em que eu fiquei impressionado. Com a
Cyria Coentro eu já tinha trabalho no 'Era uma vez... ' e, tanto ela quanto o
Claudio Jaborandy são excelentes atores e me conquistaram pelas atuações
sinceras e realistas. João Miguel foi uma participação afetiva e Domingos
Montagner, um grande encontro. Silvia Buarque, Luciano Quirino, Roberta Gualda,
Cecília Dassi, Zezé Motta foram todos muito importantes para o trabalho.
- Esta é a sua quarta parceria com a roteirista
Patrícia Andrade, como foi este trabalho?
A Patrícia é minha grande amiga e parceira no
cinema. Fizemos '2 Filhos de Francisco', 'Era Uma Vez...', 'À Beira do Caminho'
e, agora, 'Gonzaga – De pai pra filho'. O olhar dela nas minhas histórias
é muito importante, pois traz uma forma de contar com delicadeza. O trabalho da
emoção é algo que ela entende bem. Ela participa de todo processo, me ajuda na
escolha de elenco, na edição, no set. Eu gosto de levar a roteirista para o
set. Uma coisa é escrever no Rio de Janeiro, outra é estar no local da cena. A
realidade sempre nos apresenta coisas novas, a riqueza que a gente vai ganhando
durante o filme não pode ser desprezada. Em todos os meus filmes, muitas coisas
foram incorporadas com a vivência da roteirista no set. Descobrem-se diálogos,
pessoas, jeitos de falar.
- Como foram as filmagens?
Este foi o maior filme que eu fiz na vida, uma
superprodução, um épico. Rio de Janeiro de época, Nordeste, favela, 200 atores,
uma equipe gigantesca e itinerante. Cenas com mais de 600 figurantes. Eu sempre
soube que era um filme grande, não foi à toa que ele demorou sete anos para ser
feito. Eu aprendi que nada com Gonzaga é pequeno. Nunca tive ao meu lado uma
equipe tão talentosa e profissional. Uma direção de arte, do Claudio Amaral
Peixoto, impecável, recriando cenários melhores do que eu sonhei para o filme;
Figurino, da Anna Avelar e Claudia Kopke, feito com um cuidado extremo.
Lembro-me de nunca ter visto um figurante que não estivesse devidamente
caracterizado para qualquer época. Tudo com delicadeza nos detalhes. Na
fotografia, descobri outro grande parceiro. Sou fotógrafo de alguns filmes
nacionais e, como diretor, nunca me entendi tão bem com um fotógrafo no set.
Adrian Teijido tem um olhar muito parecido com o meu e a fotografia do
filme, na minha opinião, é brilhante. Isso sem contar com uma parceria antiga
com Valéria Ferro e Renato Calaça no som. Sinceramente, eu nunca vi uma equipe
trabalhar tanto e com tanto empenho e prazer como nesse filme. E foi igual na
edição. Começamos com cinco editores para poder dar conta de todo o material no
pouco tempo que tínhamos. Para reger essa turma, estavam Gustavo Gianni e
Vicente Kubrusly, meu parceiro de todos os filmes, que sempre edita com o
coração.
- Qual a sua relação com música de um modo geral?
Se eu tivesse que começar de novo a minha
carreira, eu seria músico, por isso a minha ligação com os filmes que trazem
esse tema. O meu pai toca diversos instrumentos. Num dia de filmagem, lembro
que minha mãe me ligou dizendo “Filho, o seu pai está aqui tocando com o
Chambinho” (risos). Eu aprendi a tocar violão quando era pequeno e minha
casa sempre viveu rodeada de músicos. Mas, apesar da minha paixão por música,
minha intuição me levou em direção à fotografia e ao cinema.
- Como foi feita a escolha das músicas e a gravação
das cenas de shows?
O processo de escolha das músicas para mim nunca
vai acabar. Gonzagão é fantástico, são 300 músicas e no filme são cerca de 15
dele e três do Gonzaguinha. Se eu pudesse, colocava muito mais. A música do
Gonzagão conta um pouco a história dele e eu a uso não apenas como trilha
sonora, mas como linha para ajudar a entender essa história que vai sendo
traçada. O Gonzaga é um músico muito importante, é a própria festa junina. Tem
uma frase engraçada que o Gonzagão fala “Eu deixei de ser Gonzagão, hoje em dia
eu sou um tal de folclore”. O Gilberto Gil disse que das três raízes da música
popular brasileira hoje uma delas é Gonzagão. A influência dele é enorme. Ele é
um grande porta-voz do Nordeste.
Breno Silveira é sócio da Conspiração Filmes, em 2005 o seu primeiro longa-metragem, '2 Filhos de Francisco – A História de Zezé Di Camargo & Luciano', uma das maiores bilheterias do cinema nacional pós-retomada e a indicação brasileira ao Oscar 2006 de melhor filme estrangeiro. Em 2008, Breno filmou seu terceiro longa-metragem, 'À Beira do Caminho', estrelado por João Miguel e Dira Paes. Formado em fotografia de cinema pela École Louis Lumière Vaugirard, de Paris, Breno já assinou como fotógrafo mais de dez longas-metragens, incluindo 'Carlota Joaquina', de Carla Camurati; 'Gêmeas' e 'Eu Tu Eles', ambos de Andrucha Waddington; 'Bufo & Spallanzani', de Flavio Tambellini e 'O Homem do Ano', de José Henrique Fonseca. Ele começou sua carreira em cinema fotografando os documentários 'Santa Marta – Duas Semanas no Morro' e 'Boca de Lixo', ambos do diretor Eduardo Coutinho. Em TV, dirigiu musicais e diversos videoclipes, que lhe renderam mais de dez MTV Awards, entre melhor fotografia, melhor direção e melhor videoclipe do ano. Em 2002, dirigiu o documentário 'Amyr Klink – Mar Sem Fim', exibido na GNT e no programa Globo Repórter, da TV Globo. Consagrado no mercado publicitário, com campanhas para marcas como a General Motors, Ford, Honda, Itaú e Mastercard, entre outras, foi eleito o melhor diretor de publicidade, em 2002, pela Associação Brasileira de Propaganda
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