Crítica de Filme: Polissia (Polisse)

15 de setembro de 2012 3 Comente Aqui!

Vencedor do prêmio de júri no Festival de Cannes em 2011 e nomeado para inúmeras categorias no César (Oscar francês), o drama Polissia, co-protagonizado, dirigido e escrito pela jovem Maïwen Le Besc, acompanha o cotidiano da Brigada de Proteção a Menores (BPM) francesa. Antes mesmo do inicio, um aviso deixa claro que as histórias em questão são baseadas em fatos reais e a pegada documental que a diretora traz para a obra confirma a intenção de elucidar a realidade desse difícil trabalho que é proteger os direitos de crianças e adolescentes, muitas vezes a mercê de parentes pedófilos ou sendo explorados com o intuito de tirar proveito financeiro ou mesmo infringidos com estupros e maus tratos por conta de preceitos sociais e religiosos.

No entanto, mesmo instruindo e denunciando, o roteiro foge do maniqueísmo, sem buscar verdades estritas e tentando entender todas as nuances que envolvem adultos e menores de idade. Assim como acompanhamos a história de um senhor que gostava de “coçar” a neta por baixo do pijama, vemos uma maliciosa menina ser desmascarada pelos investigadores. Aqueles policiais não têm a intenção de serem heróis, podem ter atitudes edificantes, mas também são recheados de defeitos e problemas em suas vidas comuns. Eles entendem que um adolescente de 14 anos pode muito bem ser um manipulador audaz e embasado nessa idéia, em meio a tanto sofrimento, a diretora não deixa de ousar e foge do lugar comum ao deixar no corte final uma ardilosa seqüência em que os policiais escancaradamente morrem de rir ao ouvirem um relato de uma moçinha que se disse forçada a fazer sexo oral em troca de seu celular. Se justificando, a garota diz: “Mas era um smartphone”.

Com uma polêmica e atual temática, a trama não procura explorar a fundo cada caso que surge (e são muitos), dando a eficiente sensação de caos, de falta de controle, de mesmo que exista comprometimento, o sistema é combalido, manipulável. Assim como favorece os mais poderosos, explicitado em uma cena em que um ricaço avisa que é muito difícil que fique preso 20 anos por ter molestado a filha, também negligencia os mais necessitados e é duro conferir essa triste realidade. O objetivo principal de Polissia é delinear de forma sincera o trabalho árduo desses policiais. Nessa linha de raciocínio, o titulo surge perfeito para marcar o verdadeiro protagonista do filme: a Brigada de Proteção de Menores. Tanto que o seu prólogo naturalista pode soar confuso, principalmente por apresentar inúmeros personagens sem que logo marque algum como protagonista. Demora um pouco até que dois tomem a dianteira e guiem o espectador pelo restante da narrativa, são eles: o policial Fred (Joey Starr) e a fotografa Melissa (interpretada pela própria diretora).

Em um primeiro momento, a trama propositalmente soa distanciada, argumentando com pertinente apelo denunciativo, para depois em passos lentos ir ganhando força e envolvendo emocionalmente o espectador. A gama de subtramas, apesar de surgirem corriqueiras, é pontual para dimensionarem o trabalho da BPM. Ainda que comprometidos com seus casos, procurando serem profissionais, é compreensível que levem muitas das situações para o lado pessoal. Afinal, quem em sã consciência não perderia a cabeça ao ouvir um pai cinicamente afirmar que estuprou sua filha de 10 anos? Ou o carismático professor de educação física que molesta seus alunos no banheiro? Inconformado, impregnado pela raiva, o detetive Fred se vê preso à burocracia de um sistema falho, típico policial durão, ao constatar a falta de perspectivas na lamentável realidade de mãe e filho imigrantes, moradores de rua e na iminência da separação de ambos, principalmente por esse mesmo sistema tendencioso, faz com que o homem se renda a emoção e protagonize uma das seqüências mais comoventes da obra.

A câmera nervosa de Polissia incomoda, assim como a sua trama, e acredito que são escolhas coerentes para um filme feito com a intenção de criar reflexão através da realidade chocante. No entanto, o choque não é de uma maneira gratuita ou apelativa, as cenas de abuso são sugestionadas e a ausência de imagem, com elaborados cortes-secos, é mais do que eficiente. A busca da diretora é por sinceridade, até mesmo nos pequenos detalhes, como uma simples discussão entre duas policiais envolvendo uma conhecida rede social e que ganha dimensões assustadoras, influenciando até o enérgico desfecho da obra. Lidando com a destruição, corrupção da inocência e seus reflexos traumatizantes, o competente trabalho de Maïwen Le Besc é obrigatório.



3 Comente Aqui! :

  • Paulo Silva disse...

    Olha Célio, esperava bem mais do filme por ganho Cannes, não é um longa ruim, mas francês por francês fico com o ótimo Intocáveis.
    Abraço e me visite: www.cineposforrest.blogspot.com

  • bruno knott disse...

    Olá Célio.

    Sem dúvida o filme faz uma excelente denúncia desse tema complexo e como você falou, consegue abordar a história de uma maneira emocional.

    Mas devo dizer que me incomodei com o excesso de discussão dos policiais, claro, o trabalho deles é exaustivo e mexe com o psicológico de qualquer um, mas senti que todos ali eram despreparados para função. pareceu meio falso...

    E a diretora como atriz é bizarra, nos moldes de sofia coppola atuando em o poderoso chefão 3.

    mas enfim, sem dúvida merece ser visto.

  • Edison disse...

    Olá Celo, adorei o seu texto, não sou crítico como você, mas apenas um simples cinéfilo. Acabei de assistir a Polissia e gostei bastante, talvez a minha única crítica seja ser o filme desnecessariamente longo. Gostei muito da fluidez de como a história foi contada, o dinamismo da câmera (meio como um documentário), das incríveis histórias dos pedófilos e suas vítimas, e dos dramas e vidas pessoais dos dedicados policiais. Muito bom os atores que representam os policiais com muita eficiência, mostrando uma intensidade na dedicação ao trabalho de forma muito comovente (alguns momentos são realmente emocionantes e confesso que me arrancaram algumas lágrimas). Eu particularmente, gostei muito do filme e fiquei realmente interessado em conhecer mais do cinema francês (admito que sou quase totalmente influenciado pelo poderoso cinema americano). Edison.

 
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