Um ano após realizar a comédia Levada
da Breca (1938), um de seus filmes mais adorados (não é para menos), o diretor
americano Howard Hawks nos brinda com uma verdadeira obra-prima, o emocionante O
Paraíso Infernal. Antes de qualquer coisa, é importante salientar algumas
curiosidades bem pertinentes a esse trabalho. Em uma conversa sobre o filme com
o meu camarada blogueiro Ailton Monteiro (um entusiasta de Hawks, como eu), ele me
cita um trecho lido do livro Quem Faz os Filmes, escrito pelo também diretor de
cinema Peter Bogdanovich. Na passagem, o próprio Howard Hawks afirma que O
Paraíso Infernal é uma obra que carrega muitos fatos reais. O diretor teria
conhecido um campo de aviação como o representado no filme. Uma obra que tem
tamanha importância para o seu realizador quanto para o próprio cinema, tanto
que não é estranho que o próprio Bogdanovich faça uma digressão de sete paginas
sobre a realização no seu livro.
Em Barranca, um porto bananeiro
fictício da América do Sul, é que a trama se inicia. Assim vemos um navio
ancorar e dele descer Bonnie (a bela Jean Arthur), uma descompromissada jovem
americana. Passeando pela cidade, enquanto mata o tempo até retornar a sua
viagem, Bonnie conhece outros dois americanos. Diferentes dela, aqueles homens
são residentes de Barranca. São pilotos de avião de uma espécie de empresa de
entregas local. Receptiva a dupla, Bonnie não se refuta a aceitar o convite
para um breve drink em um bar. Brincadeiras, risos, diversão, bom humor. Logo
nos minutos iniciais, percebemos que estamos diante de um autêntico Hawks. Os
diálogos ácidos e personagens divertidos são característicos na obra do
diretor. Elementos marcantes de sua filmografia apresentados ainda antes
de conhecermos o verdadeiro protagonista da história, o piloto-chefe, Geoff
Carter (Cary Grant). Ao adentrar o bar, sem rodeios, Geoff coloca um
daqueles homens em uma missão urgente de transportar uma carga. Detalhe é que
uma quase sempre presente atmosfera hostil, de neblina e chuvas, sobrevoa a cidade.
Em poucos minutos, saímos da
comédia descontraída e presenciamos tensas cenas em que o piloto tenta decolar,
mas é impelido pela própria natureza de Barranca, culminando em um fatídico
acidente. Assim, como percebemos que O Paraíso Infernal passa longe de ser uma
obra com contornos apenas felizes, logo nos situamos sobre a aparente
personalidade dos principais personagens. Geoff, apesar de ser um sujeito
extremamente carismático, também pode ser hostil e cruel. Diante da morte de um
de seus principais pilotos, ele se mostra inerente às conseqüências e coloca
aquilo como uma situação normal dentro do cotidiano deles. O que não deixa de
ser uma verdade, porque aqueles homens, cada vez que embarcavam em uma
aeronave, podia aquela, ser a última vez. Esse sentimento de viver o agora, sem
pensar no futuro, predomina e preenche o filme. Geoff se mostra calejado, assim
como os outros pilotos. Juntos brindam à morte do amigo, como se o estivessem
homenageando. Aquele ato ofende uma estatelada Bonnie, que egressa da cidade
grande, não entende como uma das situações mais delicadas da nossa existência
pode ser tratada daquela maneira.
A essa altura, Bonnie já perdeu
seu navio e mesmo entristecida, parece atraída pela personalidade magnética de
Geoff e pela maneira como se vive em Barranca. Ainda naquele bucólico bar, que
deveria ter um clima funéreo, vemos uma iminente festa se formar. Sim, um deles
morreu, mas por que lamentar a morte, se eles podem celebrar suas vidas? A
celebração a vida é um sentimento que exala das cenas de O Paraíso Infernal.
Apesar de viverem no fio da navalha, os personagens transbordam intensidade e
vivacidade. Todos os minutos do agora lhes parecem mais importante do que
acontecerá no dia seguinte. A vida para eles é ditada conforme os fatos vão
surgindo. No bar, ainda contemplamos um tipo de cena que Hawks parece dominar
muito bem: a de varias pessoas no mesmo enquadramento. Aquele monte de gente
juntinha, em volta do piano, entoando canções que remetem à felicidade de
outrora (com destaque para o dedilhar de Jean Arthur ao piano) é de fazer o
espectador estampar um largo sorriso no rosto.
Nos três primeiros parágrafos,
fiz apenas minhas considerações sobre a meia hora inicial de O Paraíso Infernal.
O que só comprova o quanto essa realização é rica em detalhes. Atraída por
Geoff, Bonnie decidir passar uma temporada nas imediações e entender como
funciona Barranca. Logo faz amizade com o veterano piloto conhecido como Kid (Thomas
Mitchell), um sujeito devotado a Geoff. Através das considerações de Kid, vamos
desvendando a verdadeira personalidade de Geoff. Com o experiente piloto, ainda
vamos viver um dos momentos mais emocionantes do filme. A rotatividade no campo
é grande e seu proprietário, conhecido como Holandês (Sig Ruman) lamenta muito
a falta de profissionais e a iminente crise financeira. Após sabermos que Geoff
trocou a paixão de uma mulher pelo seu amor à aviação, somos apresentados ao
novo piloto, Bat MacPherson (Richard Barthelmess) e sua linda esposa, Judy (uma
ainda pouco importante Rita Hayworth). Em meio a problemáticas do passado que
envolve Kid e Bat, descobrimos que Judy era o antigo amor de Geoff. Mesmo que
com uma intensidade moderada, surge naquele pedaço de fim de mundo, um
triangulo amoroso – Bonnie/Geoff/Judy - (outro elemento recorrente nos
trabalhos de Hawks). Assim como vamos presenciando seqüências das mais tensas,
também recebemos um delicioso alivio cômico das discussões protagonizadas pela
trinca.
Em meio a todo o caráter
dramático/problemático, somente por isso, O Paraíso Infernal já seria uma
realização adorável, mas alto lá, ainda temos os importantes aspectos técnicos.
Devemos Lembrar que estamos falando de uma realização de 1939. Aqui, ainda não
existiam artifícios tecnológicos. Porém, meus amigos, a concepção de Hawks para
as seqüências aéreas, tanto de decolagens, quanto de pousos, são eficientes e
por que não dizer lindas? Um perfeito trabalho de artesão. O diretor, que no
livro de Bogdanovich, afirma ter realizado boa parte da produção em estúdio,
usa de maquetes ultra-detalhistas para apresentar boa parte da ação. Poderia
até ser suficiente, mas ainda assim, Hawks engrandece a tela com filmagens
reais de vôos, captadas pelo próprio de dentro de aviões. O esmero e apreço do
diretor por trazer cenas que passem bem perto de uma ação real, são dignos de
serem louvadas. Até acidentes que realmente aconteceram durante as filmagens,
como o de um pássaro que entrou pela janela de um avião (isso dentro dos
estúdios) é usado de forma competente em um dos momentos mais cruciais da
trama.
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