Especial Howard Hawks: O Paraíso Infernal (Only Angels Have Wings/1939)

13 de agosto de 2012 0 Comente Aqui!

Um ano após realizar a comédia Levada da Breca (1938), um de seus filmes mais adorados (não é para menos), o diretor americano Howard Hawks nos brinda com uma verdadeira obra-prima, o emocionante O Paraíso Infernal. Antes de qualquer coisa, é importante salientar algumas curiosidades bem pertinentes a esse trabalho. Em uma conversa sobre o filme com o meu camarada blogueiro Ailton Monteiro (um entusiasta de Hawks, como eu), ele me cita um trecho lido do livro Quem Faz os Filmes, escrito pelo também diretor de cinema Peter Bogdanovich. Na passagem, o próprio Howard Hawks afirma que O Paraíso Infernal é uma obra que carrega muitos fatos reais. O diretor teria conhecido um campo de aviação como o representado no filme. Uma obra que tem tamanha importância para o seu realizador quanto para o próprio cinema, tanto que não é estranho que o próprio Bogdanovich faça uma digressão de sete paginas sobre a realização no seu livro.

Em Barranca, um porto bananeiro fictício da América do Sul, é que a trama se inicia. Assim vemos um navio ancorar e dele descer Bonnie (a bela Jean Arthur), uma descompromissada jovem americana. Passeando pela cidade, enquanto mata o tempo até retornar a sua viagem, Bonnie conhece outros dois americanos. Diferentes dela, aqueles homens são residentes de Barranca. São pilotos de avião de uma espécie de empresa de entregas local. Receptiva a dupla, Bonnie não se refuta a aceitar o convite para um breve drink em um bar. Brincadeiras, risos, diversão, bom humor. Logo nos minutos iniciais, percebemos que estamos diante de um autêntico Hawks. Os diálogos ácidos e personagens divertidos são característicos na obra do diretor.  Elementos marcantes de sua filmografia apresentados ainda antes de conhecermos o verdadeiro protagonista da história, o piloto-chefe, Geoff Carter (Cary Grant). Ao adentrar o bar, sem rodeios, Geoff  coloca um daqueles homens em uma missão urgente de transportar uma carga. Detalhe é que uma quase sempre presente atmosfera hostil, de neblina e chuvas, sobrevoa a cidade.

Em poucos minutos, saímos da comédia descontraída e presenciamos tensas cenas em que o piloto tenta decolar, mas é impelido pela própria natureza de Barranca, culminando em um fatídico acidente. Assim, como percebemos que O Paraíso Infernal passa longe de ser uma obra com contornos apenas felizes, logo nos situamos sobre a aparente personalidade dos principais personagens. Geoff, apesar de ser um sujeito extremamente carismático, também pode ser hostil e cruel. Diante da morte de um de seus principais pilotos, ele se mostra inerente às conseqüências e coloca aquilo como uma situação normal dentro do cotidiano deles. O que não deixa de ser uma verdade, porque aqueles homens, cada vez que embarcavam em uma aeronave, podia aquela, ser a última vez. Esse sentimento de viver o agora, sem pensar no futuro, predomina e preenche o filme. Geoff se mostra calejado, assim como os outros pilotos. Juntos brindam à morte do amigo, como se o estivessem homenageando. Aquele ato ofende uma estatelada Bonnie, que egressa da cidade grande, não entende como uma das situações mais delicadas da nossa existência pode ser tratada daquela maneira.

A essa altura, Bonnie já perdeu seu navio e mesmo entristecida, parece atraída pela personalidade magnética de Geoff e pela maneira como se vive em Barranca. Ainda naquele bucólico bar, que deveria ter um clima funéreo, vemos uma iminente festa se formar. Sim, um deles morreu, mas por que lamentar a morte, se eles podem celebrar suas vidas? A celebração a vida é um sentimento que exala das cenas de O Paraíso Infernal. Apesar de viverem no fio da navalha, os personagens transbordam intensidade e vivacidade. Todos os minutos do agora lhes parecem mais importante do que acontecerá no dia seguinte. A vida para eles é ditada conforme os fatos vão surgindo. No bar, ainda contemplamos um tipo de cena que Hawks parece dominar muito bem: a de varias pessoas no mesmo enquadramento. Aquele monte de gente juntinha, em volta do piano, entoando canções que remetem à felicidade de outrora (com destaque para o dedilhar de Jean Arthur ao piano) é de fazer o espectador estampar um largo sorriso no rosto.

Nos três primeiros parágrafos, fiz apenas minhas considerações sobre a meia hora inicial de O Paraíso Infernal. O que só comprova o quanto essa realização é rica em detalhes. Atraída por Geoff, Bonnie decidir passar uma temporada nas imediações e entender como funciona Barranca. Logo faz amizade com o veterano piloto conhecido como Kid (Thomas Mitchell), um sujeito devotado a Geoff. Através das considerações de Kid, vamos desvendando a verdadeira personalidade de Geoff. Com o experiente piloto, ainda vamos viver um dos momentos mais emocionantes do filme. A rotatividade no campo é grande e seu proprietário, conhecido como Holandês (Sig Ruman) lamenta muito a falta de profissionais e a iminente crise financeira. Após sabermos que Geoff trocou a paixão de uma mulher pelo seu amor à aviação, somos apresentados ao novo piloto, Bat MacPherson (Richard Barthelmess) e sua linda esposa, Judy (uma ainda pouco importante Rita Hayworth). Em meio a problemáticas do passado que envolve Kid e Bat, descobrimos que Judy era o antigo amor de Geoff. Mesmo que com uma intensidade moderada, surge naquele pedaço de fim de mundo, um triangulo amoroso – Bonnie/Geoff/Judy - (outro elemento recorrente nos trabalhos de Hawks). Assim como vamos presenciando seqüências das mais tensas, também recebemos um delicioso alivio cômico das discussões protagonizadas pela trinca. 

Em meio a todo o caráter dramático/problemático, somente por isso, O Paraíso Infernal já seria uma realização adorável, mas alto lá, ainda temos os importantes aspectos técnicos. Devemos Lembrar que estamos falando de uma realização de 1939. Aqui, ainda não existiam artifícios tecnológicos. Porém, meus amigos, a concepção de Hawks para as seqüências aéreas, tanto de decolagens, quanto de pousos, são eficientes e por que não dizer lindas? Um perfeito trabalho de artesão. O diretor, que no livro de Bogdanovich, afirma ter realizado boa parte da produção em estúdio, usa de maquetes ultra-detalhistas para apresentar boa parte da ação. Poderia até ser suficiente, mas ainda assim, Hawks engrandece a tela com filmagens reais de vôos, captadas pelo próprio de dentro de aviões. O esmero e apreço do diretor por trazer cenas que passem bem perto de uma ação real, são dignos de serem louvadas. Até acidentes que realmente aconteceram durante as filmagens, como o de um pássaro que entrou pela janela de um avião (isso dentro dos estúdios) é usado de forma competente em um dos momentos mais cruciais da trama.

O Paraíso Infernal é o tipo de filme que é necessário assistir para comprovar o quanto Howard Hawks é importante para o cinema americano. O titulo original "Somente os Anjos Tem Asas", contrastando com o nosso, que erroneamente elucida algo maligno, atesta todo o caráter respeitoso e heroico que Hawks também tem apreço. Aqui, o diretor ainda confirma a longa parceria a ser feita com o ator Cary Grant (alias, Grant está impecável como Geoff Carter) e dá inicio a uma seqüência de filmes que tem como ambientação a aviação e seus afins. Trabalhos que serão devidamente abordados (com muito prazer, claro) nesse Especial proposto pelo cinema desse talentoso e lendário realizador.



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