Crítica de Filme: God Bless America

26 de julho de 2012 0 Comente Aqui!

Produção independente americana, God Bless America é um filme no mínimo curioso e no máximo importuno, passando pelo divertido e aportando na mesmice. Digo importuno, porque é uma obra que pode e deve incomodar, principalmente pelo excesso de idéias radicais extremistas (ainda que recicladas) e também pela violência estilizada que facilmente será acusada de gratuita. No entanto, devemos pensar que ela é apresentada dessa maneira, pois a sua trama tem o intuito de causar reflexão pelo choque, ainda que de uma maneira tão tresloucada quanto a que sugere criticar. Livremente inspirado em Bonnie e Clyde de Arthur Penn (com Warren Beatty e Faye Dunaway), o filme escrito e dirigido pelo comediante Bobcat Goldthwait é repleto de nuances antiautoritárias, mas não dá para afirmar que seja um legitimo “filho” da New Hollywood. O trabalho de Goldthwait passa longe de ser algo original ou inovador, apesar de alguns diálogos inspirados. É tudo reciclado, recondicionado, mas ainda assim consegue entreter e cativar a atenção do espectador durante as quase duas horas em que acompanha a improvável trajetória de Frank (Joel Murray) e Roxy (Tara Lynne Barr).

Frank é um sujeito de meia idade, funcionário burocrático de uma típica empresa americana. Divorciado e desprezado pela sua filha pré-adolescente, ele vive uma vida tão medíocre quanto a que costuma criticar asperamente. Atormentado pelos vizinhos, abandonado pela sociedade, Frank é o típico outsider: solitário, ele não pertence ou não se enquadra em nenhum grupo. Também não aceita uma vida virtual na internet e não acompanha a programação televisiva “emburrecedora”. O sujeito nega-se veemente a se adaptar ao estilo de vida do século 21, execra o culto a celebridade e a falta de respeito entre as pessoas, mas também não aceita o politicamente correto como uma solução para os problemas da sociedade. Em um dia como qualquer outro, Frank é chamado à sala de seu chefe. Óbvio que ele será demitido, ainda acusado de assédio pela recepcionista, mas miséria pouca é bobagem, não? Em uma visita ao médico, por causa de recorrentes dores de cabeça, Frank descobre que tem um tumor do tamanho de uma laranja no cérebro. Convenhamos, apesar de parecer caricato, o personagem é dimensionado de forma competente, quase um libelo contra essa vida cotidiana e conformista que é levada. Frank seria mesmo um personagem grandioso se a trama não o fizesse cair nas próprias armadilhas que arma.

Não precisa ser muito imaginativo para concluir que Frank “despiroca” completamente e essa iminente loucura é o ponto de partida para God Bless America. Sem nada a perder, empunhando uma pistola automática, o homem rouba o Ford Camaro de seu vizinho mal educado e saí pelas estradas dessa America pouco valorosa a procura de corrigir as injustiças. Sua primeira vitima é uma adolescente que protagoniza um reality show sobre a sua vida materialista. Em uma cena tão engraçada quanto improvável, Frank enche a fútil mocinha de tiros. Na mesma seqüência ele também acaba por conhecer a sua futura parceira, a estudante Roxy, uma sociopata latejante, com um potencial incrível, digamos assim. As referências a obras semelhantes são evidentes e acredito que estão ali para serem pescadas pelo público, causando um joguinho divertido para cinéfilos mais atentos. Não é difícil identificar sugestões e citações ao já mencionado Bonnie e Clyde (a certa altura Roxy fala: “Então nossa relação é platônica? Sem sexo?”), Um Dia de Fúria, Assassinos por Natureza, Pulp Fiction e por aí vai. Ainda que com alguma deficiência em confluir o tom cômico com o hiper-realistico, o diretor consegue costurar tantas alusões sem que elas se sobreponham totalmente aos protagonistas. Afinal, apesar de serem tão estranhos quanto o casal de Ensina-me a Viver de Hal Ashby, Frank e Roxy atingem um nível louvável de química, rendendo até alguns momentos relevantes de ternura.

Alternando-se entre cenas de humor sarcástico, drama barato e de violência explicita, afinal o único e estrito propósito da dupla é matar o maior numero possível de pessoas “idiotas”, God Bless America nunca chega a transcender sua temática e tornar-se um grande pequeno filme. Os personagens saem do lugar nenhum e chegam a lugar algum, suas motivações se dispersam e não existe uma evolução. A certa altura tudo parece soar repetitivo. Existem boas sacadas no roteiro, como a digressão sobre as autoridades não terem a menor idéia de quem anda praticando tais crimes e para justificarem sua total ineficiência, optam por acusarem terroristas e imigrantes. Todavia, o filme peca por cair no lugar comum em suas soluções previsíveis e alegóricas. A virada da trama (onde existe uma revelação importantíssima) é mal resolvida, claramente relegada, para não dizer preguiçosa, e acaba por ser tão medíocre quanto os filmes e séries que ela tende a tripudiar durante a história. Os diálogos espirituosos, repletos de referências pops (de Alice Cooper a Diablo Cody), são o que podemos considerar como o ponto alto da obra. Neles presenciamos uma ácida verve cômica, mas que não chega a ser suficiente para sustentar uma narrativa. Como disse no inicio, é uma obra curiosa, incomoda, mas a reflexão que pretende propor é um tanto pueril.



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