Produção independente americana,
God Bless America é um filme no mínimo curioso e no máximo importuno, passando
pelo divertido e aportando na mesmice. Digo importuno, porque é uma obra que
pode e deve incomodar, principalmente pelo excesso de idéias radicais
extremistas (ainda que recicladas) e também pela violência estilizada que
facilmente será acusada de gratuita. No entanto, devemos pensar que ela é
apresentada dessa maneira, pois a sua trama tem o intuito de causar reflexão
pelo choque, ainda que de uma maneira tão tresloucada quanto a que sugere criticar.
Livremente inspirado em Bonnie e Clyde de Arthur Penn (com Warren Beatty e Faye
Dunaway), o filme escrito e dirigido pelo comediante Bobcat Goldthwait é
repleto de nuances antiautoritárias, mas não dá para afirmar que seja um
legitimo “filho” da New Hollywood. O trabalho de Goldthwait passa longe de ser
algo original ou inovador, apesar de alguns diálogos inspirados. É tudo
reciclado, recondicionado, mas ainda assim consegue entreter e cativar a atenção
do espectador durante as quase duas horas em que acompanha a improvável
trajetória de Frank (Joel Murray) e Roxy (Tara Lynne Barr).
Frank é um sujeito de meia idade,
funcionário burocrático de uma típica empresa americana. Divorciado e
desprezado pela sua filha pré-adolescente, ele vive uma vida tão medíocre
quanto a que costuma criticar asperamente. Atormentado pelos vizinhos,
abandonado pela sociedade, Frank é o típico outsider: solitário, ele não
pertence ou não se enquadra em nenhum grupo. Também não aceita uma vida virtual
na internet e não acompanha a programação televisiva “emburrecedora”. O sujeito
nega-se veemente a se adaptar ao estilo de vida do século 21, execra o culto a
celebridade e a falta de respeito entre as pessoas, mas também não aceita o
politicamente correto como uma solução para os problemas da sociedade. Em um
dia como qualquer outro, Frank é chamado à sala de seu chefe. Óbvio que ele será
demitido, ainda acusado de assédio pela recepcionista, mas miséria pouca é
bobagem, não? Em uma visita ao médico, por causa de recorrentes dores de
cabeça, Frank descobre que tem um tumor do tamanho de uma laranja no cérebro.
Convenhamos, apesar de parecer caricato, o personagem é dimensionado de forma
competente, quase um libelo contra essa vida cotidiana e conformista que é
levada. Frank seria mesmo um personagem grandioso se a trama não o fizesse cair
nas próprias armadilhas que arma.
Não precisa ser muito imaginativo
para concluir que Frank “despiroca” completamente e essa iminente loucura é o ponto
de partida para God Bless America. Sem nada a perder, empunhando uma pistola
automática, o homem rouba o Ford Camaro de seu vizinho mal educado e saí pelas
estradas dessa America pouco valorosa a procura de corrigir as injustiças. Sua
primeira vitima é uma adolescente que protagoniza um reality show sobre a sua
vida materialista. Em uma cena tão engraçada quanto improvável, Frank enche a
fútil mocinha de tiros. Na mesma seqüência ele também acaba por conhecer a sua
futura parceira, a estudante Roxy, uma sociopata latejante, com um potencial
incrível, digamos assim. As referências a obras semelhantes são evidentes e
acredito que estão ali para serem pescadas pelo público, causando um joguinho
divertido para cinéfilos mais atentos. Não é difícil identificar sugestões e
citações ao já mencionado Bonnie e Clyde (a certa altura Roxy fala: “Então
nossa relação é platônica? Sem sexo?”), Um Dia de Fúria, Assassinos por
Natureza, Pulp Fiction e por aí vai. Ainda que com alguma deficiência em
confluir o tom cômico com o hiper-realistico, o diretor consegue costurar tantas
alusões sem que elas se sobreponham totalmente aos protagonistas. Afinal,
apesar de serem tão estranhos quanto o casal de Ensina-me a Viver de Hal Ashby,
Frank e Roxy atingem um nível louvável de química, rendendo até alguns momentos
relevantes de ternura.
Alternando-se entre cenas de humor sarcástico, drama
barato e de violência explicita, afinal o único e estrito propósito da dupla é
matar o maior numero possível de pessoas “idiotas”, God Bless America nunca
chega a transcender sua temática e tornar-se um grande pequeno filme. Os
personagens saem do lugar nenhum e chegam a lugar algum, suas motivações se
dispersam e não existe uma evolução. A certa altura tudo parece soar
repetitivo. Existem boas sacadas no roteiro, como a digressão sobre as
autoridades não terem a menor idéia de quem anda praticando tais crimes e para
justificarem sua total ineficiência, optam por acusarem terroristas e
imigrantes. Todavia, o filme peca por cair no lugar comum em suas soluções
previsíveis e alegóricas. A virada da trama (onde existe uma revelação
importantíssima) é mal resolvida, claramente relegada, para não dizer preguiçosa,
e acaba por ser tão medíocre quanto os filmes e séries que ela tende a
tripudiar durante a história. Os diálogos espirituosos, repletos de referências
pops (de Alice Cooper a Diablo Cody), são o que podemos considerar como o ponto
alto da obra. Neles presenciamos uma ácida verve cômica, mas que não chega a
ser suficiente para sustentar uma narrativa. Como disse no inicio, é uma obra
curiosa, incomoda, mas a reflexão que pretende propor é um tanto pueril.
0 Comente Aqui! :
Postar um comentário