Especial Abel Ferrara: OS Viciosos (The Addiction/1995)

23 de julho de 2012 0 Comente Aqui!

Aos poucos vou me interando com as características do cinema de Abel Ferrara e também posso dizer que me afeiçoando. Curioso que tendo realizados obras relevantes nos anos 90, como o Rei de Nova York, Vicio Frenético e esse não menos contundente, Os Viciosos, o humilde cinéfilo que vos escreve só tenha começado a apreciar seu trabalho um bocado de tempo depois de seu auge. Digo isso, porque os 90´ foram aonde vivi intensamente as descobertas cinematográficas e que impulsionaram minha cinefilia a um nível viciante (digamos assim). Credito esse desconhecimento à filmografia de Ferrara, pela possível distribuição ineficiente de seus trabalhos no Brasil. Sinceramente, não lembro de nenhum de seus filmes sendo exibidos em cinemas que freqüentava e olha que eu não saia da Cinêlandia (antigo reduto cinéfilo no RJ). O importante é que agora posso suprir essa falha com propriedade e adquirir conhecimento sobre um realizador que tem muito apreço pelo seu trabalho, ao ponto de elevá-lo a um nível artístico.

O termo “marginal” costuma ser muito usado para designar o cinema de Abel Ferrara, apesar de não concordar completamente, porque vejo cinema marginal como algo mais dificultoso em sua concepção (como nas realizações de guerrilha praticadas na Boca do Lixo). Nas obras de Ferrara que assisti, percebo virtuosismos técnicos, como uso de películas especiais, fotografia caprichada, o que demanda orçamento um pouco mais folgado. Acredito que tal afirmação sobre a marginalidade de suas realizações cabe pelo diretor ter carisma por personagens e ambientações vistas como a margem da sociedade. Na condição de autoral, os personagens criados por Ferrara, de um jeito ou de outro, acabam sendo um reflexo das próprias indagações do diretor. Sabe-se que assim como Ferrara pode ser considerado um autor genial, também tem uma personalidade que não é das mais fáceis de compreender e em todos seus trabalhos é perceptível uma gama de sentimentos conflitantes pertinentes à condição humana (sua ou de qualquer um). Assim como o diretor procura explorar as nuances execráveis do caráter humano, ele também se mostrar um tanto crédulo aos aspectos e dogmas religiosos ou ao menos respeita um bocado eles. Sim, Abel Ferrara acredita (pelo menos é o que passa) em redenção através da remissão dos pecados.

Em Os Viciosos, o diretor traz um exame de consciência sobre a maldade. Uma maldade aqui apresentada como uma potente droga, em que o ser humano na condição de viciado, usufrui do prazer que essa maldade pode proporcionar. Esse maldito vício nos leva a condição de predadores, nos transformando em criaturas de sentimentos dúbios. Em um primeiro momento, o diretor nos leva a crer que os personagens são vampiros clássicos, como os já vistos em muitas obras de terror. Aqui, esses clássicos monstros funcionam como analogias sobre um ser humano desprovido de aspirações que não sejam o prazer de uma dose (no caso o sangue como o simbolismo do medo). Adentrando na temática da obra, percebe-se que a verdadeira substancia viciante advém do temor que podem proporcionar as suas presas. Quando a estudante de filosofia Kathleen (Lili Taylor, sensacional), recentemente addiction (o titulo em inglês faz todo o sentido), afronta suas vitimas, o jogo psicológico aterrador que faz, lhe traz tanto prazer quanto o ato de sorver do sangue das mesmas. O prazer que sente é descomunal, mas o vazio existencial também não tarda a aplacar a sua alma, se é que ela tem uma. Uma das questões importantes que o roteiro levanta é sobre a existência de alguma culpa/consciência de quem comete tamanhas atrocidades.

Vejo Os Viciosos como algo bem perto de uma pequena obra-prima. Não é menos visceral, atordoante e reflexivo do que Vicio Frenético. Filmado belamente em um tom de sépia preto e branco, talvez o que não o faça ser tão saudado é o seu viés mais cerebral ou mesmo culto (o que não acho que seja um demérito), assim requerendo do espectador algum conhecimento literário (mesmo que breve), principalmente para entender as constantes citações que os personagens fazem a Sartre, Dante, Burroughs e outros escritores e filósofos menos conhecidos, mas não menos importantes, como Protágoras. Em contraponto as citações literárias, Ferrara criva uma trilha sonora repleta de canções de rappers gangstas, como os do Cypress Hill (banda famosa nos anos 90 por incitar o uso de drogas). Uma confluência curiosa que acaba por fazer sentido no contexto do filme e ajuda a compor toda a ambientação vagabunda e suja que o diretor atribui para a obra. A canção “I wanna get High” (algo como “Eu quero ficar doidão”) pontua bem os momentos anteriores ao uso de “drogas” (leia-se, submeter às vitimas a crueldades enquanto lhe sugam o sangue), mostrando como atos degradantes podem ser atrelados a situações felizes. Enquanto no decorrer do uso/efeito e também nas conseqüências, o sentimento de decepção pecaminosa vem em digressões cruas e das mais deprimentes.



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