Crítica de Filme: Na Estrada (On the Road)

10 de julho de 2012 12 Comente Aqui!

A adaptação cinematográfica da aclamada obra literária, On the Road, do escritor norte-americano Jack Kerouac, talvez, era uma das mais esperadas dos últimos anos. Antes de qualquer digressão sobre o filme, é importante deixar claro que o redator desse texto não tem o conhecimento prévio do conteúdo literário (não leu o livro), mas tem algum conhecimento sobre a época que ele retrata: o movimento beat. No final dos anos 50 e começo dos 60, alguns artistas americanos, em sua maioria escritores e poetas, viveram como nômades, rodando pelo país, às vezes fincando raízes por algum tempo, mas em sua maioria, o maior prazer era ficar a deriva dentro de um carro. Claro que o consumo desenfreado de álcool, maconha e de uma substancia retirada de inaladores era natural e constante no meio, assim como o sexo liberal, muitas vezes rendendo verdadeiras orgias. Essa geração/movimento é considerada tão marcante e criativa, que muitos estudiosos a vêem como precursora da contracultura. Dizem que o próprio John Lennon teria retirado o nome Beatles em função do termo beatnik, que era sugerido como a identificação dos representantes.

A pequena e rasteira introdução é minimamente suficiente para se ter alguma noção da importância (tanto literária, quanto histórica) sobre On the Road. Por isso, foi criada certa aura sobre a produção cinematográfica, homônima, intitulada Na Estrada no Brasil. Principalmente por ser co-produzida por Francis Ford Coppola e dirigida pelo brasileiro Walter Salles. Reza a lenda que o próprio Coppola (detentor dos direitos do filme) teria escolhido Salles a dedo, após ter ficado maravilhado com Diários de Motocicleta. Assim, temos uma renomada lenda do cinema, com um diretor consideravelmente talentoso (principalmente por Central do Brasil e Abril Despedaçado) e o roteirista Porto Riquenho, Jose Rivera (o mesmo de Diários). Sinônimo de orçamento folgado, que proporciona o luxo de um elenco invejável, citando apenas os coadjuvantes, nos deparamos com: Viggo Mortensen, Amy Adams, Kirsten Dunst, Steve Buscemi, Alice Braga, Terrence Howard, entre outros. A trinca de protagonistas é encabeçada por Sam Riley, como o escritor Sal Paradise; Garrett Hedlund, defendendo o poeta Dean Moriarty e Kristen Stewart, que faz a espevitada Marylou. A trama do filme se apóia na forte amizade entre Sal e Dean, e o romance com viés de triangulo amoroso entre Marylou e os rapazes.

Agora, vamos ao que interessa. Se por um lado, Na Estrada é um filme esteticamente perfeito, com uma vistosa fotografia e uma não menos deliciosa trilha sonora, com canções características da época que retrata e ainda a boa sensação de um road-movie. Por outro lado, pode-se dizer que a evolução da trama/história é decepcionante. Claro que existe um excesso de personagens e coisas que devem fazer todo o sentido no livro, provavelmente não tem a importância necessária na película. Certamente, falta digressão suficiente, principalmente, quando surgem em cena alguma figuras marcantes, como o poeta junker Oll Bull Lee, interpretado com qualidade por Mortensen e a sua esposa não menos viciada Jane (Amy Adams em pequena atuação, mas imersiva). No entanto, essa falta de tempo para coadjuvantes de peso, talvez, nem seja o maior problema. Em um filme, em que a maioria das seqüências são passadas em locais fechados ou dentro de carros, com pessoas usando drogas e fazendo sexo, o que falta mesmo, é seus protagonistas comprando seus personagens da maneira correta. Sinceramente, o filme soa muito asséptico, limpinho demais, o sofrimento e reflexão dos personagens não são suficientemente críveis e não é estranha a sensação de uma superficialidade constante.

Parece que estamos diante de personagens, ainda que drogados e promíscuos, expostos em uma bela vitrine e emanando poesia. Em nenhum momento, o Sal de Riley e o Dean de Hedlund convencem como representantes do movimento beat ou mesmo como pensadores marginais. Por incrível que possa parecer, a criticada Kristen Stewart cativa muito mais com a sua Marylou desbocada e ainda assim doce. Na verdade, o próprio movimento beat, do qual o livro é citado como a melhor representação, aparece diluído na trama ou mesmo deixado de lado. Acredito como sendo escolhas do diretor e do roteirista, que invés de serem didáticos, optam por trazer uma visão menos estudada ou mundana. Vejo até algumas qualidades nas suas escolhas, mas a falta de sinergia em algumas cenas é frustrante. Aliás, a própria montagem do filme se perde em repetições de momentos, criando um embuste e fazendo de uma obra que começa de maneira agradável, ir aos poucos se tornado bem perto de tediosa. Em certo momento, o espectador levanta a questão se Na Estrada não tem um excesso de fornicação e sessões psicotrópicas. Longe de posar de puritano, porque quem costuma ler minhas resenhas, sabe que em questão de cinema, tenho apreço por filmes com características marginais, vagabundas e anti-autoritárias. Não precisam vir embaladas em um pacote charmoso, mas precisam ter no mínimo a consciência da suas pretensões, e no final, é o que Na Estrada parece: um filme ultra-pretensioso. 


12 Comente Aqui! :

  • J. BRUNO disse...

    Olá Celo, cara fico triste ao ler sua crítica, este é o filme que eu mais estava esperando neste ano... Mas ainda assim eu quero assisti-lo, jé estou quase terminando o livro, que é realmente uma obra prima (não tenho dúvidas de que ele é de fato uma das influência da contra-cultura)... Parabéns pelo crítica meu amigo!

  • Anônimo disse...

    Assisti ao filme em Cannes e discordo da crítica. Digamos que não é 100% ao livro, mas estamos aí com o Walter Salles grande diretor e o filme é bem revelador, conta muito bem a história do livro de uma forma concreta e claro que têm cenas sensuais, como de drogas, mas o filme foi muito aplaudido assim que terminou, acredito que está sendo esperado e desejo sucesso para o Walter !!!

  • beto disse...

    De fato, o filme mais esperado do ano. Sua crítica jogou agua fria na quentura, hehehe. MAs vou assistir e ver de fato o que acho. Valeu

  • Película Criativa disse...

    Após ler sua resenha minhas suspeitas com "On The Road" só se confirmaram. Após uma campanha morna no Festival de Cannes, o filme do Walter Salles ganhou lançamento em julho, ou seja, não tem a mínima chance de concorrer ao Oscar.

    Visite também: http://www.peliculacriativa.blogspot.com.br

  • Júlio Pereira disse...

    Embora no campo das sensações Na Estrada satisfaça, pontualmente, é decepcionante por não desenvolver bem seus personagens, e esquecer personagens... na estrada, sem a menor explicação. O que tem de melhor é a Kirsten Stewart muito boa (em todos os sentidos imagináveis) e os coadjuvantes de luxo, como o não citado no texto Joe Pesci (aliás, custava manter a câmera queta? Queria ter visto seu rosto!).

  • Zé Felipe Sá disse...

    Celo, gosto bastante do movimento Beat. Tenho os grandes livros do movimento: "O Uivo" (1956) de Allen Ginsberg (no filme, Carlo Marx), considerado o marco zero da contracultura. Tenho "O Almoço Nú" (1959) de William S. Burroughs (vulgo Old Bull Lee), um livro tão perverso que teve de ser publicado primeiro na França pra ser liberado três anos depois nos EUA... E, é claro, "Pé na Estrada" (1957) de Jack Kerouac (ou Sal Paradise), entre outros livros desse mesmo autor.

    Eu também fiquei decepcionado com o filme. Eu não achei "Pé na Estrada" de todo ruim. Tem seus momentos. A depender da cena a platéia realmente fica cativada com o maravilhamento dos personagens pela vida. O problema é que tem décadas que Coppola estava lutando pra fazer esse filme, e é natural que as expectativas em torno dele fossem altíssimas.

    Celo, quanto à questão da "promiscuidade" e do consumo das drogas, veja que ela não é gratuita. Os Estados Unidos teve desde sempre essa moral puritana: trabalhe que nem um condenado (Calvino disse que Deus via com bons olhos os ricos) e seja um reprimido sexual. Ah - e nem beber pode. As substâncias psicoativas em geral subvertem a Deusa Razão, algo que beira à blasfêmia no mundo protestante calvinista. Então essa entrega deles ao sexo e substâncias ilegais na verdade tem algo de profundamente anti-conformista e liberador. O American Way of Life ditava: trabalhe, case, tenha filhos, compre uma TV, consuma. Isso era o ideal absoluto de felicidade do americano médio na Era Eisenhower. Os Beats iam radicalmente contra isso. Essa era a essência da revolução silenciosa deles.

    (Silenciosa, porque abertamente política não poderia ser. Era o começo da Guerra Fria, da paranóia nuclear, do McCarthismo. Qualquer comportamento "anti-americano" era severamente repreendido pelos donos do poder).

    Então é isso. Mesmo se "Pé na Estrada" fosse um filme melhor, é difícil em 2012 captar a "magia" dos Beats, o quão iconoclastas eles foram. Muita coisa que eles fizeram hoje soa banal, e feita de forma compulsiva, vazia... E longe de libertar, aprisiona...

  • Fabio Pastorello disse...

    Acho que dei talvez mais mérito ao Walter Salles, pois o que vc considerou como superficial, eu achei que tinha algo lá, mas que eu captaria numa segunda visita. Enfim, creio que vou assistir novamente para conferir. Mas realmente, em alguns momentos achei o filme lento demais, mas em outros parece que era preciso essa lentidão para melhor entendimento, enfim, fiquei confuso... rs. Abs.

  • Anônimo disse...

    Assisti o filme ontem e me decepcionei ... apesar de mostrar uma juventude sem rumo , todo filme deve ter um início , meio e fim ... enfim , esperava mais , filme sem graça e sem sentido ... não li o livro , mas posso dizer que o filme foi decepcionante , onde eu e aqueles que estavam assistindo não viam a hora do filme acabar , inclusive com pessoas indo embora antes do filme acabr .

 
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