Crítica: Prelúdio para Matar (trilha sonora)

17 de maio de 2012 0 Comente Aqui!

Barroco. Extravagante. Operístico. Assustador. E violento – extremamente violento. Esses são adjetivos comuns quando a pauta é o cinema de Dario Argento, o mestre do terror italiano. Um gigante na sua terra natal, ele permaneceu uma figura cult fora dela, apesar do alcance inegável que teve – que o diga John Carpenter e George Romero, entre outros apreciadores. Considerados de “mau gosto” e pesadamente censurados, as suas produções desafiaram os limites do suspense e do terror com os seus enquadramentos originais, o seu uso de cores “quentes” e fotografia saturada, as tramas surreais que conduzem seus filmes e a coragem de exibir na tela um nível de violência gráfica desmedido para os padrões da época. O apuro estético e criatividade do diretor levou-o a ser considerado o expoente máximo do art horror.

Nascido de um produtor de cinema italiano e de uma fotógrafa brasileira, Dario desde cedo respirou arte. Na primeira infância era um garoto solitário, introspectivo, atacado por diversas doenças. Por um bom tempo as suas únicas companhias foram os seus sonhos, a sua imaginação e a sua coleção de livros. Não gostava de livros infantis, diga-se. Preferia William Shakespeare, as 1001 Noites e os contos de Edgar Allan Poe. A paixão pelo cinema não tardou a brotar. O cinema era um jeito de adentrar e explorar o seu próprio universo onírico; virou uma droga para ele, um vício do qual nunca conseguiu – ou quis – se livrar.  Eventualmente, tornou-se um crítico do meio.

O primeiro gosto do sucesso que Dario Argento teve foi escrever o roteiro de Era Uma Vez no Oeste (1968) de Sergio Leone, o diretor de Três Homens em Conflito (1966). Atrás das câmeras, Argento ganhou notoriedade com a chamada “trilogia dos animais”: O Pássaro das Plumas de Cristal (1970), O Gato de Nove Caudas (1971) e Quatro Moscas no Veludo Azul (1971). Os três eram exemplos do giallo (“amarelo”), batizado desse jeito por causa dos livros de bolso cróceos sobre suspense e terror tão populares no país. A partir daí Dario passou a ser chamado de o “Hitchcock italiano“, apesar das óbvias diferenças entre os dois. John Carpenter, diretor de Halloween, comentou com razão que o jeito de Argento fazer cinema está mais próximo do surrealismo de um Luis Buñuel do que o estilo frio, meticuloso e linear do diretor inglês. Após o fracasso do drama histórico Le Cinque Gionarte (1973) Argento deu um tempo e repensou o seu futuro como cineasta. Se a volta para os lucrativos giallos parecia inevitável, ele iria inovar dessa vez.

Profondo Rosso (“Vermelho Profundo”), traduzido como Prelúdio Para Matar (1975), foi o produto dessa longa gestão. Num congresso de parapsicologia, a médium Helga Ullman (Macha Méril) capta os pensamentos sombrios de um dos participantes, uma mente infantil, perturbada, pronta para agir a mando dos seus impulsos homicidas. Perto dali, o pianista Marcus Daly (David Hemmings) toma um drinque com o seu amigo Carlo (Gabriele Lavia). Os dois se despedem e no caminho de casa Marcus vê a médium ser morta. É onde o pesadelo começa. Uma figura misteriosa de luvas negras mata todos ligados à Helga, um a um. Marcus e a repórter Gianna Brezzi (Daria Nicolodi, futura mulher de Argento), que o ajuda na investigação dos assassinatos, estão em perigo. Prelúdio Para Matar reúne num só filme as técnicas consagradas do diretor, inclusive o famoso stalker POV (point of view), onde a câmera faz a plateia enxergar do ponto de vista do assassino. Comercialmente falando foi o seu melhor lançamento, e disputa com Suspiria (1977) o lugar de "obra-prima" no seu legado cinematográfico.

Prelúdio para Matar é bem diferente dos filmes que inspirou diretamente (Halloween – A Noite do Terror) e indiretamente (a série Sexta-feira 13). A fórmula dos chamados slasher films é montada por cima daquele típico moralismo calvinista repressivo: “jovem, se você se esbaldar no pecado, estarás perdido.” No plano psicossexual, Prelúdio para Matar pertence à outra ordem de coisas. O filme brinca com as noções de gênero: um dos personagens principais do filme é gay, e há um travestismo sub-reptício no filme. As diferenças em termos culturais entre esse giallo e os slashers também se expressam de outras maneiras. A obra de Dario não pertence a aquele domínio dos filmes-B de drive-ins americanos, onde estão fincadas as raízes de Halloween e Sexta-feira 13. Numa entrevista coletiva à Monter-Mania Con de 2009, Dario citou John Ford, Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni como os seus cineastas favoritos. Revelou igualmente a influência do Noveulle Vague no seu trabalho.

Vira e mexe Argento é taxado de “misógeno”, um adjetivo que lhe persegue sem perdão. São comuns na sua obra a comparência de figuras maternas malignas e mulheres atraentes morrendo de formas repulsivas. O dito “feminino monstruoso” que surge nos seus filmes parece uma reação ao mammismo – um fetiche ao poder matriarcal que domina a sociedade italiana, uma ameaça constante de emasculação para gerações inteiras de varões italianos. Há um fator pessoal alimentando essa revolta. A atriz Asia Argento, filha do diretor, declarou: “Não sei o que minha avó fez a ele, mas ele sempre a viu como um monstro, então ele tenta exorcizar isso através de seus filmes”.

Apesar da resposta positiva aos seus primeiros thrillers, Argento nunca esteve 100% satisfeito com a  música de fundo deles. Achava que Ennio Morricone lhe dava versões inferiores das trilhas que fazia para os spaguetti westerns de Leone. Fã de rock, Argento tentou contratar o Deep Purple para fazer a trilha sonora de O Gato de Nove Caudas, mas não deu certo. Começou a colaborar com Giorgio Gaslini, mas a associação entre os dois chegou ao fim durante Prelúdio Para Matar.

É aí que o Goblin entra na história.

Nascido em São Paulo, o futuro líder do grupo, o tecladista Claudio Simonetti, começou as suas aulas de piano aos 8 anos, mas naquela idade não tinha a mínima paciência para aprender o instrumento. Foi só depois dos Beatles e os Rolling Stones estouraram – seguidos do aparecimento do rock progressivo – que Claudio se voltou com para o piano com novo interesse. Aos 14 anos de idade ingressou no Santa Cecilia, um dos conservatórios de música mais antigos do mundo. Lá formou a Ritratto Di Dorian Gray com os colegas de curso, inspirado pelos grupos britânicos King Crimson, Yes, Genesis, EL&P, Gentle Giant, etc. O projeto seguinte foi o Oliver, e depois veio o Cherry Five: com eles, Claudio emigrou para a Inglaterra, onde o grupo gravou e distribuiu várias demos e fizeram muitos shows. O produtor do Yes, Eddie Odford, mostrou interesse, mas nada aconteceu.

Depois de um ano eles voltaram para a patria nostra, no vermelho. Lá chegando, assinaram um contrato com a Cinevox Record, selo italiano especializado em trilhas sonoras. Dario estava naquele momento ocupado com Profondo Rosso, e tinha acabado de despachar Gaslini. Procurava novamente por uma banda de rock para criar a trilha do seu giallo revolucionário. Sincronicidade?

Os resultados dessa parceria foram surpreendentes. Profondo Rosso esteve no topo das paradas italianas por 15 semanas. Depois de quase quatro meses foi derrubado do pódio pela trilha de uma série de TV chamada Gamma, composta pelo pai de Claudio, Enrico, cantor e apresentador de TV renomado na Itália. Profondo Rosso passaria ainda um ano entre os dez discos de maior vendagem, acumulando mais de três milhões de cópias com o passar das décadas.

O som sinistro de Prelúdio Para Matar impactou tanto a música do cinema, a exemplo dos temas de Halloween – Noite do Terror (1978), como bandas de metal extremo a lá Cradle of Filth. É uma pena que fora da sua pátria muita gente não conheça o Goblin. Eles dividem esse status de cult com Dario Argento, infelizmente. De qualquer sorte, Profondo Rosso é ainda lembrado 37 anos depois pelo seu impacto visual, emocional, visceral e, é claro - musical.

Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.

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