Crítica do Filme: Paraísos Artificiais

5 de maio de 2012 0 Comente Aqui!


O diretor Marcos Prado ficou conhecido por sua obra de estréia, o premiado e elogiado documentário Estamira, registro do dia-a-dia de uma senhora debilitada mentalmente (mas vista com uma profetisa) e ainda trabalhadora de um lixão do RJ. Apesar de ser caracterizado como um documento, Estamira tem toda uma áurea poética e Prado parece ter apreço por elucidar beleza de fatos improváveis ou aparentemente desprovidos de verso e prosa. Não dá para dizer que são escolhas que possam agradar em cheio. Nessa sua estréia em direção de longas de ficção, com Paraísos Artificiais, o diretor trás para a telona a sua poesia visual, que se faz presente quase que em todos os minutos da projeção. O diretor não chega a ser um novato no cenário cinematográfico brasileiro, trabalhou como produtor em Ônibus 174, Tropa de Elite I e II. O que se pode dizer, até pela vistosa produção, é que o filme passa longe de algo realizado por um novato inexperiente ou mesmo que seja experimental demais. Prado tem muita certeza de suas escolhas, talvez o que falte para o seu filme ser muito bom, seja relativo ao exagero de desfechos elipsados. Em certos momentos, o diretor parece mostrar em demasia o desnecessário, apesar de render cenas interessantes, em detrimento ao que deveria ser o mais acertado e estimulante de se apresentar. 

É necessário deixar claro que se Paraíso Artificiais não é um filme muito bom, ainda assim pode ser classificado com uma realização boa, ousada e reflexiva até quanto ela pode ser. Existem filosofias existenciais na historia, apresentadas principalmente pelo divertido personagem veterano, o pseudo-hippie itinerante Mark (Roney Villela, muito bem), mas essas digressões não são o foco principal. A trama entrecortada nos mostra o protagonista Nando (Luca Bianchi) em três momentos distintos. Nos minutos iniciais, sabemos que Nando estava preso e acabou de ser posto em liberdade. O bonito plano-sequência dele com a cabeça para fora do carro, pegando vento no rosto, explicita que o rapaz passou uma boa temporada na cadeia. Apesar das poucas informações, a mãe (Divana Brandão) ansiosa que o espera na saída, nos faz perceber que Nando é de família de classe média, um típico garotão da balada carioca. O que teria feito àquele aparente promissor jovem ter sido preso? Em seguida, em casa, Nando presencia uma discussão entre seu irmão caçula, Lipe (César Cardadeiro) e sua mãe. O clima em casa não é dos melhores. Tentando se posicionar para o mundo que voltou, o rapaz vai buscar lembranças do passado pelo quarto do irmão e involuntariamente encontra um pacote generoso de ecstasy (droga sintética) entre as coisas de Lipe. Nesse exato momento, somos jogados dentro do primeiro flashback da trama, que nos situa na cidade holandesa de Amsterdã.

Nessa inicial volta no tempo, presenciamos um Nando bem diferente. Desprovido da melancolia do primeiro momento, o vemos jovial, mesmo já tendo seus contornos infelizes, e dotado de sonhos, ainda que para atingi-los tenha que embarcar em uma viagem que mudará sua vida para sempre. Ele não esta em Amsterdã apenas por diversão. O seu “melhor amigo” Patrick (Bernado Melo Barreto), que o carregou para a trip, deixa bem claro o intuito da dupla na cidade européia. Em uma noitada regada a drogas em uma boate local (afinal, a capital holandesa é conhecida por sua fama psicotrópica), Nando conhece a DJ brasileira Érika (Nathalia Dill). Um envolvimento entre os dois flui com uma naturalidade desconfiada e faz o espectador presenciar tórridas cenas de sexo, com uma entrega impressionante dos atores, principalmente da bela Nathalia Dill. Prado cria também românticos momentos na bela cidade de Amsterdã, que rende ainda uma vistosa fotografia para a obra. Alias, fotografia e trilha sonora são usadas com competência na hora de marcar os diferentes momentos da trama. Em uma cena de ternura entre o casal, Érika revela que na boate não foi a primeira vez que viu Nando. Mistério no ar.

Para desvendar essa nuance, o diretor insere mais um retorno no tempo, um flashback dentro do flashback. Pode cansar a platéia? Não sei, talvez. Porém, dentro dessa terceira linha narrativa da história, que surge em uma festa rave, em alguma praia paradisíaca do nordeste brasileiro, é que o filme se mostra mais ativo e aonde residem as principais resoluções da trama. A obra ganha uma personagem cativante que é um ponto-chave da história, a descolada Lara (Lívia Bueno). Prado mostra domínio em tratar e montar as três tramas paralelas e as conduz com alguma competência, tendo alguns deslizes em quedas de ritmo e se alongando em seqüências que poderiam ser mais curtas, mas em nenhum momento confunde. Se Paraísos Artificiais não agradar (deve acontecer mais do que o esperado), fica a curiosidade de presenciar um realizador do qual podemos dizer que ousa em muitos aspectos. Pouca são as realizações nacionais, que hoje em dia, apostam em uma linguagem que fuja da tradicional pegada rasteira televisiva. Digo isso, porque Paraísos Artificiais é um filme que aponta para um público mais jovem (mas pode agradar qualquer um) e vale ser louvado por estimular o mesmo público a fazer um exercício de apreciação cinematográfica. Afinal, o filme precisa de certa atenção e não se apresenta tão descartável como até poderíamos imaginar.



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