O diretor Marcos Prado ficou conhecido por sua obra de estréia, o premiado e
elogiado documentário Estamira,
registro do dia-a-dia de uma senhora debilitada mentalmente (mas vista com uma
profetisa) e ainda trabalhadora de um lixão do RJ. Apesar de ser caracterizado
como um documento, Estamira tem toda
uma áurea poética e Prado parece ter
apreço por elucidar beleza de fatos improváveis ou aparentemente desprovidos de
verso e prosa. Não dá para dizer que são escolhas que possam agradar em cheio.
Nessa sua estréia em direção de longas de ficção, com Paraísos Artificiais, o
diretor trás para a telona a sua poesia visual, que se faz presente quase que
em todos os minutos da projeção. O diretor não chega a ser um novato no cenário
cinematográfico brasileiro, trabalhou como produtor em Ônibus 174, Tropa de Elite I
e II. O que se pode dizer, até pela
vistosa produção, é que o filme passa longe de algo realizado por um novato
inexperiente ou mesmo que seja experimental demais. Prado tem muita certeza de suas escolhas, talvez o que falte para o
seu filme ser muito bom, seja relativo ao exagero de desfechos elipsados. Em
certos momentos, o diretor parece mostrar em demasia o desnecessário, apesar de
render cenas interessantes, em detrimento ao que deveria ser o mais acertado e
estimulante de se apresentar.
É necessário deixar claro que se Paraíso
Artificiais não é um filme muito bom, ainda assim pode ser classificado
com uma realização boa, ousada e reflexiva até quanto ela pode ser. Existem
filosofias existenciais na historia, apresentadas principalmente pelo divertido
personagem veterano, o pseudo-hippie itinerante Mark (Roney Villela, muito bem), mas essas digressões não são o foco
principal. A trama entrecortada nos mostra o protagonista Nando (Luca Bianchi) em três momentos distintos.
Nos minutos iniciais, sabemos que Nando estava preso e acabou de ser posto em
liberdade. O bonito plano-sequência dele com a cabeça para fora do carro,
pegando vento no rosto, explicita que o rapaz passou uma boa temporada na
cadeia. Apesar das poucas informações, a mãe (Divana Brandão) ansiosa que o espera na saída, nos faz perceber que
Nando é de família de classe média, um típico garotão da balada carioca. O que
teria feito àquele aparente promissor jovem ter sido preso? Em seguida, em
casa, Nando presencia uma discussão entre seu irmão caçula, Lipe (César Cardadeiro) e sua mãe. O clima em
casa não é dos melhores. Tentando se posicionar para o mundo que voltou, o
rapaz vai buscar lembranças do passado pelo quarto do irmão e involuntariamente
encontra um pacote generoso de ecstasy
(droga sintética) entre as coisas de Lipe. Nesse exato momento, somos jogados
dentro do primeiro flashback da
trama, que nos situa na cidade holandesa de Amsterdã.
Nessa inicial volta no tempo,
presenciamos um Nando bem diferente. Desprovido da melancolia do primeiro
momento, o vemos jovial, mesmo já tendo seus contornos infelizes, e dotado de
sonhos, ainda que para atingi-los tenha que embarcar em uma viagem que mudará
sua vida para sempre. Ele não esta em Amsterdã apenas por diversão. O seu
“melhor amigo” Patrick (Bernado Melo
Barreto), que o carregou para a trip,
deixa bem claro o intuito da dupla na cidade européia. Em uma noitada regada a
drogas em uma boate local (afinal, a capital holandesa é conhecida por sua fama
psicotrópica), Nando conhece a DJ brasileira Érika (Nathalia Dill). Um envolvimento entre os dois flui com uma naturalidade
desconfiada e faz o espectador presenciar tórridas cenas de sexo, com uma
entrega impressionante dos atores, principalmente da bela Nathalia Dill. Prado cria
também românticos momentos na bela cidade de Amsterdã, que rende ainda uma
vistosa fotografia para a obra. Alias, fotografia e trilha sonora são usadas com
competência na hora de marcar os diferentes momentos da trama. Em uma cena de
ternura entre o casal, Érika revela que na boate não foi a primeira vez que viu
Nando. Mistério no ar.
Para desvendar essa nuance, o diretor insere mais um
retorno no tempo, um flashback dentro
do flashback. Pode cansar a platéia?
Não sei, talvez. Porém, dentro dessa terceira linha narrativa da história, que
surge em uma festa rave, em alguma
praia paradisíaca do nordeste brasileiro, é que o filme se mostra mais ativo e
aonde residem as principais resoluções da trama. A obra ganha uma personagem
cativante que é um ponto-chave da história, a descolada Lara (Lívia Bueno). Prado mostra domínio em tratar e montar as três tramas paralelas e
as conduz com alguma competência, tendo alguns deslizes em quedas de ritmo e se
alongando em seqüências que poderiam ser mais curtas, mas em nenhum momento
confunde. Se Paraísos Artificiais não agradar (deve acontecer mais do que o
esperado), fica a curiosidade de presenciar um realizador do qual podemos dizer
que ousa em muitos aspectos. Pouca são as realizações nacionais, que hoje em
dia, apostam em uma linguagem que fuja da tradicional pegada rasteira
televisiva. Digo isso, porque Paraísos
Artificiais é um filme que aponta para um público mais jovem (mas pode
agradar qualquer um) e vale ser louvado por estimular o mesmo público a fazer
um exercício de apreciação cinematográfica. Afinal, o filme precisa de certa
atenção e não se apresenta tão descartável como até poderíamos imaginar.
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