Durante a década de 80, as greves
de fome ultra-radicais do exercito rebelde irlandês IRA eram constantes. Uma
das mais conhecidas e marcantes (no ano de 1981) envolveram boa parte dos
lideres encarcerados, que reivindicavam melhores condições para os presos
oriundos do IRA, que eram vistos como terroristas impiedosos e assim tratados
em condições sub-humanas. Hunger, o primeiro filme dirigido e
escrito pelo então artista plástico britânico, Steve McQueen (conhecido
atualmente pelo recente e elogiado Shame),
é uma obra que retrata uma dessas greves de fome, não pelo lado político, como
já foi visto diversas vezes em programas jornalísticos, mas por um viés mais
humano, dos fatos de dentro dos presídios, focando nos pontos de vista e
atitudes dos guardas, dos presos e dos familiares.
Não pense que McQueen comete uma obra que defenda
preceitos radicalistas ou algo parecido, que procure pelo edificante. O tom é
quase documental, mostrando as agruras do sofrimento daqueles homens que
acreditavam piamente em seus fundamentos. O diretor não toma partido, faz
relatar acontecimentos e mostrar como o poder público, encabeçado pela primeira
ministra Margaret Tachter, fazia claramente uma retaliação aos atos extremistas
do IRA. Típico dente por dente, olho por olho, fazendo jus ao pseudônimo de
Dama de Ferro. Se o IRA cometesse algum atentado, quem primeiro pagava era os
seus integrantes encarcerados. Em certos momentos, o filme se apresenta lento,
contemplativo seria o termo mais apropriado, mas talvez seja a opção mais
correta, mostrando que o diretor, mesmo novato, tinha bastante certeza de suas
escolhas. Digo isso, porque se Hunger tivesse um ritmo mais
acelerado, talvez perdesse a importância de certas cenas, como as que mostram
os presos obrigados a conviver com seus excrementos nas celas. Para se livrarem
das próprias fezes, espalhavam as nas paredes (isso mesmo que você leu), assim
fazendo surgir um asqueroso e impiedoso trabalho plástico de angustia e
sofrimento. O ser humano se expressando da maneira mais penosa. McQueen confere a sua realização um
clima terrivelmente bruto, cruel (não de maneira gratuita, com mise en scene exagerado, mas pelo tom
ultra realístico) e a sensação só vai aumentando.
Hunger não chega a ter um
personagem totalmente principal, não é um filme com uma narrativa de fatos tão
lineares. Existem saltos no tempo, flashbacks
e muito do que acontece fora da prisão fica escuso da história. Em um primeiro
momento, a trama foca em dois presidiários, jovens comuns, possivelmente
novatos nas fileiras do IRA. Quando McQueen
situa o enredo a partir da escolha dos lideres do IRA de conceber uma greve de
fome, então, o espectador torna-se intimo da via-crúcis de Bobby Sands (Michael Fassbender). Sands é um
homem da cidade de Belfast, idealista, desses que não relutará em ir até as
vias de fato. Em determinado momento, o homem trava um dialogo sensacional com
um padre que tenta lhe destituir a idéia da greve. Uma seqüência de quase 20
minutos, aonde acompanhamos em um enquadramento estático e distanciando, mas
não menos emocionante, as considerações aonde são mostradas de maneira sutil, e
ainda assim feroz, como um homem pode se envolver de forma quase institucional
em uma guerra. Sutil e bruto; cruel e emocional, talvez esses sejam os melhores
adjetivos para descreverem esse trabalho de
McQueen.
A entrega de Fassbender é das mais impressionantes, o ator definhou em cena, com
escaras terrivelmente reais na pele, um trato doloroso e totalmente crível dado
ao seu personagem. Certo que é o mais perto possível de uma representação de
quem se submete a um ato tão impiedoso contra si. A situação toda é baseada em
fatos reais e certas frases emblemáticas que marcaram esses atos, como: ”O que
estamos fazendo, não é suicídio é assassinato.” acabam por ser proferidas por
Sands. Provavelmente essa era a idéia que os lideres do IRA queriam trazer para
a população. Elucidar uma espécie de comoção nacional ou mesmo mundial que
voltasse os olhos para os fatos daquela Irlanda segregada. O que por fim não
deixa de aproximar as atitudes para com um fundamentalismo exacerbado (mesmo
com um ponto de partida diferente). Pode se até dizer que Hunger não se situa como
um documento histórico, mas no final, diante de uma realização feita com
talento e propriedade, a sensação dessa obrigação acaba pouco importando. O
diretor Steve McQueen, em seu primeiro trabalho, mostrou que veio para
ficar.
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Vou conferir.
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