Crítica de Filme: Hunger (Steve McQueen/2008)

1 de maio de 2012 1 Comente Aqui!

Durante a década de 80, as greves de fome ultra-radicais do exercito rebelde irlandês IRA eram constantes. Uma das mais conhecidas e marcantes (no ano de 1981) envolveram boa parte dos lideres encarcerados, que reivindicavam melhores condições para os presos oriundos do IRA, que eram vistos como terroristas impiedosos e assim tratados em condições sub-humanas. Hunger, o primeiro filme dirigido e escrito pelo então artista plástico britânico, Steve McQueen (conhecido atualmente pelo recente e elogiado Shame), é uma obra que retrata uma dessas greves de fome, não pelo lado político, como já foi visto diversas vezes em programas jornalísticos, mas por um viés mais humano, dos fatos de dentro dos presídios, focando nos pontos de vista e atitudes dos guardas, dos presos e dos familiares.

Não pense que McQueen comete uma obra que defenda preceitos radicalistas ou algo parecido, que procure pelo edificante. O tom é quase documental, mostrando as agruras do sofrimento daqueles homens que acreditavam piamente em seus fundamentos. O diretor não toma partido, faz relatar acontecimentos e mostrar como o poder público, encabeçado pela primeira ministra Margaret Tachter, fazia claramente uma retaliação aos atos extremistas do IRA. Típico dente por dente, olho por olho, fazendo jus ao pseudônimo de Dama de Ferro. Se o IRA cometesse algum atentado, quem primeiro pagava era os seus integrantes encarcerados. Em certos momentos, o filme se apresenta lento, contemplativo seria o termo mais apropriado, mas talvez seja a opção mais correta, mostrando que o diretor, mesmo novato, tinha bastante certeza de suas escolhas. Digo isso, porque se Hunger tivesse um ritmo mais acelerado, talvez perdesse a importância de certas cenas, como as que mostram os presos obrigados a conviver com seus excrementos nas celas. Para se livrarem das próprias fezes, espalhavam as nas paredes (isso mesmo que você leu), assim fazendo surgir um asqueroso e impiedoso trabalho plástico de angustia e sofrimento. O ser humano se expressando da maneira mais penosa. McQueen confere a sua realização um clima terrivelmente bruto, cruel (não de maneira gratuita, com mise en scene exagerado, mas pelo tom ultra realístico) e a sensação só vai aumentando.

Hunger não chega a ter um personagem totalmente principal, não é um filme com uma narrativa de fatos tão lineares. Existem saltos no tempo, flashbacks e muito do que acontece fora da prisão fica escuso da história. Em um primeiro momento, a trama foca em dois presidiários, jovens comuns, possivelmente novatos nas fileiras do IRA. Quando McQueen situa o enredo a partir da escolha dos lideres do IRA de conceber uma greve de fome, então, o espectador torna-se intimo da via-crúcis de Bobby Sands (Michael Fassbender). Sands é um homem da cidade de Belfast, idealista, desses que não relutará em ir até as vias de fato. Em determinado momento, o homem trava um dialogo sensacional com um padre que tenta lhe destituir a idéia da greve. Uma seqüência de quase 20 minutos, aonde acompanhamos em um enquadramento estático e distanciando, mas não menos emocionante, as considerações aonde são mostradas de maneira sutil, e ainda assim feroz, como um homem pode se envolver de forma quase institucional em uma guerra. Sutil e bruto; cruel e emocional, talvez esses sejam os melhores adjetivos para descreverem esse trabalho de McQueen.

A entrega de Fassbender é das mais impressionantes, o ator definhou em cena, com escaras terrivelmente reais na pele, um trato doloroso e totalmente crível dado ao seu personagem. Certo que é o mais perto possível de uma representação de quem se submete a um ato tão impiedoso contra si. A situação toda é baseada em fatos reais e certas frases emblemáticas que marcaram esses atos, como: ”O que estamos fazendo, não é suicídio é assassinato.” acabam por ser proferidas por Sands. Provavelmente essa era a idéia que os lideres do IRA queriam trazer para a população. Elucidar uma espécie de comoção nacional ou mesmo mundial que voltasse os olhos para os fatos daquela Irlanda segregada. O que por fim não deixa de aproximar as atitudes para com um fundamentalismo exacerbado (mesmo com um ponto de partida diferente). Pode se até dizer que Hunger não se situa como um documento histórico, mas no final, diante de uma realização feita com talento e propriedade, a sensação dessa obrigação acaba pouco importando. O diretor Steve McQueen, em seu primeiro trabalho, mostrou que veio para ficar.



 
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