Inspirado no famoso roubo ao trem
de pagamentos da central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1960, Assalto
ao Trem Pagador, em sua primeira cena, deixa explicito que mesmo
partindo de uma premissa verdadeira, o filme, é totalmente ficcional. Com
liberdade para divagar sobre o assunto e usando de elementos característicos de
um cinema de gênero, o diretor Roberto
Farias, transforma a historia em um ótimo filme policial (os anos 60 foram
prolixos para essas realizações dentro do cinema nacional). Curioso que, apesar
do referido assalto ter repercutido ferozmente na imprensa e opinião pública, a
trama dirigida por Farias opta por
contar os fatos subseqüentes ao crime. O mais certo, talvez, fosse desvendar o
planejamento e elaboração, mas de forma louvável, o diretor faz com que o
roubo, surja apenas como pano de fundo para os conflitos interiores do grupo de
assaltantes.
Acompanhamos a rápida e bem
executada seqüência inicial, que consiste no assalto, filmada aos moldes do
cinema de western (sim, parece que estamos vendo um roubo saído de um faroeste).
Logo após o crime, o grupo de assaltantes, liderados por Tião Medonho (Eliezer Gomes), um assassino cruel, e
Grilo (Reginaldo Faria), espécie de
mentor intelectual, se reúne para traçar o destino do dinheiro. A decisão em
comum, é que nenhum deles poderá usar mais do que 10% do montante destinado a
cada (estamos falando de milhões em moeda da época). Inicialmente, conseguem se
conter, porque a intenção é não chamar atenção, mas a ambição por utilizar suas
pequenas fortunas, fará com que não tardem a quebrar o pacto. Enquanto isso, a
policia se movimenta para encontrar os verdadeiros culpados. Detalhe que (assim
como na situação real) as autoridades acreditavam que o assalto tivesse sido
cometido por criminosos estrangeiros (?). Para a policia, “bandidos da favela”
não teriam qualidade intelectual para tramar tão grandioso plano e essa linha
de raciocínio fez com que as investigações tardassem e de certa forma dessem
confiança ao grupo de um sucesso atingido.
O trabalho do diretor Roberto Farias também tem suas
qualidades técnicas, com eficientes tomadas aéreas, focando os personagens como
se alguém os observasse de cima em meio a multidão. Farias também utiliza de uma fotografia marginal, crua e que trás o
espectador para a realidade das favelas cariocas da época. Apesar de hoje as
favelas parecem miseráveis, em comparação com os anos 60, elas estão em uma
situação menos deplorável. Saneamento básico passava longe naqueles anos e o
diretor não se furta a filmar crianças nuas brincando em valas ao céu aberto.
Em comparação, também não deixa de focar no glamour que o dinheiro podia trazer
para uma vida cheia de regalias na zona sul carioca. Mesmo Assalto ao Trem Pagador ser
um filme de gênero, existe certa critica imbuída na obra. Grilo, apesar de tão
criminoso quanto Tião Medonho e seus comparsas, é destituído de suspeitas e
livremente usa seu dinheiro como bem entende. A sua justificativa é que ele não
tem “cara de pobre” e nesse seu monologo preconceituoso reside uma das cenas
mais tensas do filme. Alias, boas seqüências de perseguições e tiroteios são o
que não faltam, nos remetendo também aos filmes de gangsteres, principalmente
os da era noir do cinema americano.
Apesar de Grilo surgir como um
dos expoentes da trama, fazendo contraponto aos criminosos da favela, o filme é
mesmo de Tião Medonho. A concepção de Eliezer Gomes para o personagem é das
mais marcantes e por que não emocionante? Dentro de uma realização que é levada
pela ação, o ator consegue trazer um personagem cheio de facetas. Se em um
primeiro momento, Tião é um assassino impiedoso, logo ele se mostra como um
marido amoroso (mesmo que infiel) e um pai devotado aos filhos. A obra ainda
conta com participações importantes de Grande Otelo, Jorge Dória e Dirce
Migliaccio. Assalto ao Trem Pagador é um filme dos mais bem realizados em terra brasilis, merece ser apreciado,
revisitado e conhecido. Os anos 60, sem dúvida, foi um dos momentos mais
talentosos para o nosso cinema.
1 Comente Aqui! :
Adoro esse filme. Ele é a prova que o cinema brasileiro podia (e pode) ser criativo e ao mesmo tempo popular.
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