Um filme
precisa de uma trama sensacional ou uma história fascinante para ser
considerado uma grande realização? O nosso saudoso Glauber Rocha já
dizia que o cinema é áudio e visual, não precisa de história ou a mesma seria
mero detalhe na concepção desse polêmico diretor. Bom, também sou adepto
daqueles que acreditam que o cinema pode ser grande e interessante apenas
usando de imagens e sons, como nessa maravilhosa produção européia que é O
Cavalo de Turim. Um filme que emociona pelo detalhismo de suas cenas e
tem o mérito de fazer isso em uma representação que é pouco emocional pelo
ponto de vista humano e ainda parecendo que apenas aquele sofrido animal
realmente tem sentimentos feridos.
No começo do
filme temos uma explanação em off sobre um cavalo que o filósofo alemão Friederich
Nietzsche salvou de um linchamento em 1889, tendo ainda adquirido o animal
para si, o levando para Turim. Logo depois o mesmo narrador nós conta sobre a
loucura que se apossou de Nietzche e que por ter que ser cuidado pelas
irmãs, o filósofo teve que se desfazer do cavalo. Então daí parte o ponto de
vista da parca trama: O que teria acontecido ao cavalo de Nietzche? Ao
final dessa indagadora explanação inicial, o espectador é levado a um longo
plano seqüência sensacional de um senhor conhecido como Olsdorfer (János
Derzsi), que parece ser agora o detentor do animal, conduzindo o cavalo
por terrenos inóspitos, envolvidos por uma espessa névoa e um vento cortante. Alías,
o que é a sonoplastia desse filme? Diria que rara, fazendo o próprio vento
surgir com um dos principais personagens do filme.
O cinema do
diretor húngaro Béla Tarr se assemelha em alguns aspectos com o
do austríaco Michael Haneke, com longos enquadramentos estáticos,
dando tempo ao espectador explorar cada canto da cena, como se fosse um quadro.
Na verdade, todo O Cavalo de Turim parece uma pintura em
movimento, daquelas sufocantes, com momentos detalhadamente captados pela
câmera de Tarr, que sem pressa constrói o cotidiano monótono daquele pai
e filha (Erika Bók) vivendo em um lugar pouco povoado, isolados
ainda e com uma relação quase inexistente de afeição mútua, o que ainda rende
pouquíssimos diálogos e mesmo quando um senhor surge na casa para lhes pedir
bebida, causando uma única cena de verborragia exacerbada, o diretor parece
colocar apenas para afirmar a sua intenção de mostrar que muitas vezes as
palavras não querem dizer nada ou usar muito bem aquele clichê de que uma
imagem vale por mil delas.
Ainda tocado
pela forma como Tarr comete seu filme, que cresce na consciência quando
relembrado, e mesmo sendo uma realização longa (150 minutos) e que ainda parece
não acontecer nada ou muito pouco, em nenhum momento O Cavalo de Turim
se mostra chato ou maçante, pelo contrário. Repleto de momentos lindamente
melancólicos em que esse brilhante diretor constrói usando apenas o vento e nos
brindando ainda com outros planos seqüências impressionantes, como quando a
dupla fica sem água em casa e precisa sair para arrumar alguma, é inevitável ao
final do longa afirmarmos que estamos diante de uma obra-prima.
1 Comente Aqui! :
Grande Béla Tarr, provavelmente o legítimo herdeiro desse cinema contemplativo e sensorial de Tarkovsky. Belíssmo filme. Parabéns pelo texto, Celo, bem conciso e enunciado.
Postar um comentário