Crítica do Filme: Shame (Shame/2011)

11 de abril de 2012 2 Comente Aqui!

Brandon (Michael Fassbender) é um típico sujeito de Nova York. Bem apessoado, ele tem um bom trabalho, uma boa casa, uma aparente boa vida. Sob a fachada de cidadão exemplar, ele carrega um terrível vicio, tão degradante quanto uma heroína ou uma cocaína. Brandon é viciado em sentir prazer. Como todo vicio, ele sempre precisa de mais uma dose, pois nunca está satisfeito. Uma pessoa apegada a um mal habito, sempre procura aquela primeira sensação e nessa jornada é que acaba por se entregar a uma condição de vida que sempre irá lhe cobrar cada vez mais. Um tipo de cobrança que ninguém é capaz de controlar. Assim, Brandon percorre as ruas da Big Apple a procura de sua droga. Em uma metrópole como N.Y (a cidade que nunca dorme) ela pode estar em qualquer lugar, seja no metrô, em um bar, uma boate ou mesmo no trabalho. A peleja desse homem é tão causticante que somente o ato sexual em si não lhe satisfaz mais. Brandon precisa chegar em casa e consumir pornografia loucamente, como se aquilo fosse o seu verdadeiro alimento. Por isso, digo que ele não é viciado em sexo, seu vicio é sentir prazer.

Aliado ao vicio, sempre se manifestam os rituais, fazendo o viciado criar seus próprios métodos e que de maneira alguma devem ser quebrados. Um viciado tem todo um esquema de preparações para consumir sua droga, que às vezes se torna tão importante quanto o uso dela. Para um cocainômano, tão imprescindível quanto aspirar a cocaína é enfileirar as carreiras. O protocolo de Brandon consiste em seduzir também, na verdade, um falso jogo de sedução, porque o romance para ele pouco importa. Seguindo seus preceitos à risca, para chegar às vias de fato, o sexo tem que surgir de uma maneira pervertida, que além do prazer, faça a adrenalina correr no sangue. Um drogado sente satisfação com a droga que lhe é injetada na veia, mesmo podendo trazer a morte junto. Assim como a inevitável bad trip do termino do efeito psicotropico de uma dose, Brandon também tem a sua crise de abstinência, que consiste em um gigantesco vazio existencial. Talvez nesse sofrimento resida alguma esperança de que a sua vida possa se aprumar.

Na volta de uma de suas costumeiras noitadas, Brandon se depara com uma bela jovem em seu apartamento. Não pensem que a moça é uma namorada, até porque o homem tem suas considerações próprias sobre os relacionamentos. A moça que encontra nua em seu banheiro é Sissy (Carey Muligan), sua irmã, uma cantora de restaurantes, aparentemente tão problemática como ele. A presença da irmã desestabiliza o cotidiano e o circulo vicioso de Brandon. Como poderia manter seus hábitos rotineiros com alguém a lhe vigiar? Pelo menos é o que ele pensa. Uma das outras características de um drogado, é o egoísmo desmedido. A afronta da presença de Sissy (será por que Brandon a vê como um reflexo?) logo nos faz perceber que ela e o irmão têm um relacionamento atípico. Eles parecem se amar, mas esse sentimento surge quase como em um pedestal para ambos. Como pessoas disfuncionais, teoricamente ruins ou mesmo corrompidas poderiam amar? O amor é um sentimento destinado apenas aos “bons de coração”? Em um dos momentos mais simbólicos de Shame, Sissy solta a seguinte frase: “Não somos pessoas ruins, apenas viemos de lugares ruins.” Não é uma justificativa plausível, mas mostra como apesar de se sentirem derrotados, ainda existe alguma consciência, mesmo que entorpecida.

O contundente Shame é uma realização que pode e deve ser vista como representativa para o seu tempo. Este século 21 que vivemos, em que o ser humano se acha evoluído, mas paradoxalmente cada vez mais perde a sensibilidade e o tato. Não são poucos que hoje se entregam a jornadas hedonistas. O homem, como animal, é dos mais estranhos. Divagações pertinentes às inúmeras situações citadas são explanadas durante a projeção desse marcante filme. Claro que silenciarei sobre as principais, até porque faço questão que o amigo leitor descubra. O talentoso diretor Steve McQueen, apenas em seu segundo trabalho, constrói uma obra-prima moderna, dotada de cenas emocionais e tão belas quanto sufocantes. Uma delas e talvez a mais bonita, é quando Sissy entoa a canção “New York, New York.” em um tom altamente melancólico. Por dentro, tanto Brandon quanto Sissy lutam com sensações que nem eles conseguem explicar e o espectador, atônito, torce por eles, mesmo sabendo o quão difícil pode ser se livrar de certos hábitos. 



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