Crítica: Contatos Imediatos de Terceiro Grau (trilha sonora)

19 de abril de 2012 0 Comente Aqui!

Roswell, Novo México, 1947. Um objeto voador não identificado (OVNI) fez um pouso forçado no rancho de um fazendeiro local. O jornal da cidade noticiou no dia seguinte que os destroços de um “disco voador” foram encontrados próximos ao acidente. Os militares trataram de desmentir as manchetes do Roswell Daily Record, emitindo um comunicado afirmando que estes eram os restos de um balão metereológico. Para os aficionados por teorias da conspiração, isso foi interpretado como um acobertamento do Exército americano de um dos eventos mais importantes da história humana. Nas décadas por vir, entre o crescente número de avistamentos de naves extraterrestres, vieram os relatos sobre as infames abduções – pessoas raptadas nas altas horas da matina, a sofrer de lapsos temporais, cicatrizes inexplicáveis e sondas introduzidas em lugares impróprios. Os testemunhos falam de humanoides de baixa estatura, pele cinzenta e olhos negros assustadores. Além de evoluir para uma espécie de religião alternativa, a fascinação por OVNIs virou um passatempo cultural: rendeu uma série clássica de TV (Arquivos-X), alguns blockbusters (O Dia da Independência) e inspirou o disco-mor do glam rock, o Ziggy Stardust & the Spiders from Mars (1972) de David Bowie.

Steven Spielberg era um dos fascinados pela estranha ciência da ufologia. Até a casa dos 30, o jovem diretor acreditava piamente que não estávamos sozinhos no universo. Havia muitas coisas a serem explicadas a respeito desse misterioso fenômeno. Spielberg tinha uma visão otimista sobre o assunto: tinha fé que poderíamos estabelecer uma convivência pacífica com as nossas “visitas”. Richard Dreyfuss, amigo seu de longa data e ator principal de Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), lembra que Spielberg foi o primeiro em Hollywood a dizer isso em voz alta.

Antes mesmo de começar Tubarão (1975) Spielberg já se empenhava em fazer um filme sobre OVNIs. Para o departamento de efeitos especiais Spielberg contratou Oliver Turnbull, líder da equipe de  2001: Uma Odisseia no Espaço (1968). Para a posição de consultor técnico o diretor convidou J. Allen Hynak, célebre ufólogo. A supervisão do Dr. Hynak deu uma veracidade maior à história de Spielberg. (Hynak faz um pontinha no final do filme, inclusive.) A última cartada do diretor foi chamar François Truffaut, papa da nouvelle vague, para fazer o papel do Dr. Claude Lacombe, a autoridade máxima do governo francês em ufologia, no filme.

Contatos Imediatos tem início no deserto de Sonora, ao norte do México, onde a equipe de Dr. Lacombe investiga a aparição súbita de 5 aviões-torpedeiros americanos que sumiram no Triângulo das Bermudas, no final da Segunda Guerra Mundial. Depois de uma sequencia no Controle de Tráfego Aéreo, em Indianápolis, onde os controladores de voo acompanham a quase colisão de um avião com um OVNI, somos transportados para Muncie, Indiana, onde Roy Neary (Dreyfuss) e Jillian Guiler (Melinda Dillon), os protagonistas do filme, são apresentados. Roy é o average joe – um típico trabalhador do meio oeste americano, três filhos pra criar e casado com uma mulher que vive em função da família. A vida pacata Roy entra em parafuso quando é convocado às pressas para investigar um apagão na cidade. Perdido na estrada, no meio da noite, à beira de uma encruzilhada de trem, Roy tem o seu contato imediato do terceiro grau – ou seja, um contato direto entre humanos e seres de outro planeta. Neary fica obsecado com a experiência, a ponto de perder a família e o emprego no processo. Paralelo a isso, Jillian tem o seu filho Barry (Cary Guffey) abduzido. Roy e Jillian se conhecem, dividem as suas experiências em comum e se unem para encontrar aquela estranha imagem implantada na cabeça deles. “É importante. Significa algo,” Roy repete, como um mantra. Os desenhos obsessivos da dupla revelam ser a Devil’s Tower, uma formação geológica de 400m de altura no nordeste de Wyoming. Agentes secretos dos governos da França e dos EUA já estão lá quando Jillian e Roy chegam, e aos pés desse rochedo impotente eles constroem uma pista de pouso que será o palco de cenas antológicas na história do cinema.

A música tem um papel fundamental em Contatos Imediatos do Terceiro Grau: ela é o elo entre nós e os extraterrestres, o nosso meio de comunicação. Foi para esse fim que John Williams bolou uma saudação, um “alô” de cinco notas – não era nem para ser uma melodia, apenas intervalos musicais. Williams mostrou 300 combinações de notas para Spielberg, achando que tinha liquidado o assunto. O diretor ligou para um amigo, matemático por profissão, para saber quantas eram as combinações possíveis de cinco notas entre as 12 da escala cromática. “134 mil,” foi informado via telefone, uma hora depois. Spielberg, cansado e frustrado, teve de escolher uma, e acabou sendo aquele tema tão familiar para nós. Essas cinco notinhas valeram Grammy de “Best Instrumental Composition” ao seu parceiro John. Uma versão disco do tema de Contatos Imediatos foi lançada separadamente como um compacto, e galgou até a #13 posição nas paradas da Billboard.

John Williams se serviu das ideias de dois compositores para criar o canal de comunicação entre nós e os aliens: Zoltán Kodály (1882-1967) e Aleksandr Scriabin (1872-1915). Linguista, educador e folclorista, Kodály inspirou um método para ensinar música para crianças; uma de suas técnicas era associar tons com gestos manuais. Já Scriabin era conhecido por trabalhar com a sinestesia – o pianista russo gostava de associar tons a cores específicas. No filme, o Dr. Lacombe une os conceitos dos dois no esforço de “redigir” um manual de tradução para os sinais enviados do espaço.

O emblemático “duelo musical” do final, um turbilhão de luz, som e cores, é quando o código alienígena começa a fazer sentido. Um sintetizador ARP, ligado a um placar no fundo da pista de aterrisagem, é o “decodificador” da língua tonal que a Nave-Mãe dos ETs tenta ensinar para os terráqueos, via sons de tuba. Essa “ópera espacial”, como Spielberg a definiu, é até hoje uma das composições que mais gosta de John Williams. Uma curiosidade: quando Roy entra na Nave-Mãe, John Williams inseriu uma referência sutil à “When You Wish Upon a Star”, a música-tema de Pinóquio (1940), de Walt Disney.

A trilha sonora de Contatos Imediatos conseguiu um disco de ouro nos EUA (500 mil cópias vendidas, no mínimo) e esteve entre os finalistas do Oscar, BAFTA e Globo de Ouro. Nas três ocasiões, John Williams perdeu – para ele mesmo. O seu Guerra nas Estrelas foi a grande estrela de 1977. Consciente disso, John quis de antemão diferenciar os seus dois scores. Em Contatos, há uma ruptura clara entre as partes “humana” (tonal) e “alienígena” (atonal) do fundo orquestral. A primeira é mais convencional, e deve muito àquele neo-romantismo hollywoodiano afeito à emular os estilos musicais de Wagner, Tchaikovsky e Strauss. Williams é mestre nesse idioma. Os arranjos orquestrais nas partes “alienígenas” da música lembram os cromatismos a capella de Ligeti, presentes na trilha de 2001. O jeito modernista de compor de Krzysztof Penderecki – usado de maneira brilhante na trilha de O Exorcista (1973) – também vem à mente.

Spielberg não considera Contatos Imediatos do Terceiro Grau um filme de ficção científica, propriamente dito. “É um filme sobre especulação científica,” repete, sempre. Enquanto não achamos a evidência de que estamos sozinhos no universo, resta imaginar como seria esse encontro com a vida inteligente lá de fora. Será que eles chegariam à surdina e começariam a substituir humanos por clones, como em Os Invasores de Corpos? Ou lançariam uma onda de ataques à população civil, tipo a Guerra dos Mundos? Steven Spielberg acha que podemos ser amigos.

E é a paixão pela música que nos unirá.

Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.

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