Crítica: Pink Floyd The Wall (trilha sonora)

1 de março de 2012 1 Comente Aqui!

No final de fevereiro Roger Waters aportou no Brasil com o espetáculo The Wall. Fez apresentações em Porto Alegre, no Rio de Janeiro e encerrará a sua temporada de shows no país em São Paulo, no estádio do Morumbi, dia 3 de Abril. Fazendo jus ao nome, o nosso blog detalhará o filme – e a música que o inspirou.

Em 1977 o Pink Floyd já tinha saído debaixo das asas de Syd Barrett, o gênio louco, e toda aquela algazarra multicolorida do Swinging London. Graças principalmente ao Dark Side of the Moon (1973) eles agora tocavam em estádios olímpicos como o daquele seis de Julho, em Montreal. A banda estava no final da turnê do disco Animals, cansada e tocando mal. Roger Waters estava particularmente incomodado com a situação e descontou a sua irritação num fã arruaceiro das primeiras fileiras do show. Procurou o sujeito na multidão e cuspiu na cara dele.

Waters ficou horrorizado com a sua própria reação (“eu estava me tornando um monstro”) e como o gigantismo do Floyd ergueu um muro virtual entre artista e público, ocasionando a perda de um contato autêntico entre as partes. Waters também percebeu que o muro podia ser uma excelente metáfora para as barreiras que construímos à nossa volta, a fim de nos defendermos do mundo externo. Essas muralhas mentais nos aprisionam, e em casos extremos nos afastam de todo e qualquer convívio saudável.

Um ano depois desse incidente desagradável Waters já tinha registrado o The Wall inteiro numa fita demo. Ele mostrou o rascunho de 90 minutos para o produtor Bob Ezrin e o resto da banda, e com o input de Ezrin e do guitarrista David Gilmour o disco tomou forma. O The Wall foi concebido como um álbum duplo conceitual, um relato autobiográfico de um artista alienado devido aos excessos da fama, lentamente enlouquecendo dentro de um quarto de hotel. No plano musical foi um disco diferente para o Floyd: os arautos do rock progressivo trocaram as suas famosas suítes de 20 minutos e longos solos por músicas curtas e diretas, pondo-se a par da revolução punk que varreu o Reino Unido.

No começo das gravações a banda teve de manejar um problema grave: o bloqueio criativo do tecladista Richard Wright. A sua cabeça estava em outro lugar, num casamento que implodiria finalmente em 1982. Passados meses e meses a contribuir basicamente em nada, Rick foi demitido por Waters em Outubro de 1979. Nick Mason, o baterista do grupo, conversou com Waters, e o (então) líder do Pink Floyd concordou em voltar atrás, na condição que Richard voltasse apenas como um músico contratado. Foi uma imposição humilhante para alguém que fundou a banda, mas Richard tinha dois filhos pra criar. Como um bom inglês Wright apelou para o stiff your upper lip. Fez o serviço sem reclamar – e bem.

O próximo passo foi montar o tão elaborado concerto do disco. Para criar uma representação visual do senso de separação de Pink, o narrador delirante de The Wall, um muro gigante era construído todas as noites ao longo da apresentação. Na segunda metade do show o muro isola por completo a banda do público. Projeções dos desenhos animados do satirista Gerald “Gerry” Scarfe com o sobre o muro e bonecos infláveis de 10m de altura tomavam conta do palco a partir daí. O le gran finale é a destruição do muro, a catarse “involuntária” de Pink. Os shows dessa turnê foram devidamente registrados ao vivo e as gravações lançadas só na virada do milênio, sob o nome de Is There Anybody Out There? The Wall Live 1980-81.

O The Wall vendeu magistralmente: até três anos atrás, foram compradas cerca de 38 milhões de cópias do(s) disco(s). O álbum, merecidamente, é um clássico do rock ‘n’ roll – e talvez o melhor da banda. Só fica em segundo para o Dark Side of the Moon. (Há controvérsias. Eu prefiro o The Wall). “Another Brick In the Wall – Part 2”, lançada originalmente como um compacto em 16 de Novembro de 1979, tornou-se o hino do Pink Floyd.

Roger Waters tinha planos para transformar o The Wall num filme. A primeira providência tomada foi escrever um roteiro junto com Gerald Scarfe. Gerry e o Pink Floyd começaram a sua colaboração depois de Nick Mason e Roger Waters assistirem A Long Drawn-Out Trip (1973) na BBC. Esse curta-metragem de Gerry foi inspirado pelas suas visitas esporádicas aos EUA. Scarfe ficou fascinado pela cultura americana: “Eu nunca tinha visto tanto excesso, violência, rudeza, inumanidade, tanta vulgaridade,” revela no documentário Scarfe by Scarfe (1986). Scarfe foi então convidado a fazer os itinerários das turnês do Dark Side of the Moon, Wish You Were Here (1975) e Animals (1977). Tanto para o encarte original do The Wall quanto para as ilustrações do filme, Roger Waters deu total liberdade criativa para Gerald. O ilustrador comenta sobre a filosofia de Roger nessas horas: “quando você pede um artista para dar a sua visão, você não muda essa visão.”

Apoiado por um contrato com a MGM, Roger quis um diretor de preferência inglês para The Wall, alguém que compreendesse as seqüelas sociais da Segunda Guerra Mundial na psicologia do povo bretão. Um dos candidatos foi Ridley Scott, o diretor de Blade Runner – O Caçador de Andróides (1982). Coube a Alan Parker o trabalho de dirigir The Wall, que já tinha currículo Bugsy Malone – Quando as Metralhadoras Cospem (1976), O Expresso da Meia Noite (1978) e Fama (1980), filmes com temas radicalmente diferentes entre si, unidos apenas por um cuidado esmerado com as suas respectivas trilhas sonoras. Em seguida foram achar quem interpretaria Roger Waters no filme – ou melhor dizendo Pink, o seu alter ego. O escolhido foi Bob Geldof, da banda punk irlandesa Boom Town Rats. Bom punk que era, Geldof rejeitou de cara o papel. “Eu odeio o Pink Floyd,” foi a resposta inicial ao seu empresário, que no fim o conseguiu convencer a participar do projeto.

A banda voltou ao estúdio para transformar o álbum numa trilha sonora adequada ao formato do filme. A segunda metade de “Empty Spaces”, “What Shall We Do Now”, foi reinserida na seleção das faixas, descartada previamente por falta de espaço no disco. Outras foram limadas. “Hey You” foi descartada por sugestão de Roger Waters; ele achou a sua seqüência no filme desconexa e longa demais. “The Show Must Go On” também foi. “Mother” foi esticada para o dobro de seu tamanho original e “Run Like Hell” encurtada. “When the Tigers Broke Free,” uma música feita especialmente para o filme, serviu como uma nova introdução. Outra alteração importante: Alan Parker convenceu Roger Waters que Bob deveria regravar os vocais das músicas que ele aparecia cantando no filme.

Depois do inquietante perambulo que a câmera faz pelo corredor do hotel onde Pink (Bod Geldof), o protagonista, está hospedado, o The Wall começa de verdade com “When the Tigers Broke Free,” uma canção sobre a morte do pai de Pink / Roger Waters. Eric Fletcher Waters era um oficial do 8º Batalhão britânico, tropa posicionada na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Waters pai faleceu num contra-atraque das forças do Eixo nas praias de Anzio, deixando o filho eternamente em busca de uma figura paterna. A música acaba e a seguir vemos uma imagem de Pink prostrado na frente da televisão, catatônico, segurando um cigarro queimado até o filtro na mão. Essa é uma lembrança de Roger Waters dos primórdios da esquizofrenia de Syd Barrett. O filme que Pink assiste na TV é The Dam Busters (1955), exemplo de um período do cinema britânico que marcou a geração do cantor. Depois de a faxineira tentar abrir a porta do quarto de Pink sem sucesso vem “In the Flesh?”, onde Roger Waters ironiza o glamour vazio dos grandes shows de rock ‘n’ roll, expondo o comportamento selvagem dos fãs e a brutalidade da polícia ao revistar os fãs na porta do estádio. São apresentações que, segundo ele, têm mais a ver com o ego e o dinheiro dos artistas envolvidos e menos com sua música. O título “In the Flesh” veio do nome oficial da turnê do Animals, o In the Flesh Tour ’77, uma referência àquela experiência negativa no estádio de Montreal. No final da música, um bombardeiro “Stuka” explode o bunker onde o pai de Pink está refugiado.

Encerrada a cena anterior, “The Thin Ice” inicia um flashback por onde conhecemos a infância do personagem principal. O destaque dessa seqüência é o belo trabalho de câmera de Alan Parker, o “efeito-pêndulo” que o diretor cria sob a piscina de onde Pink bóia na suíte do hotel. A platéia fica com a impressão que Pink está em queda livre numa cachoeira de sangue. A letra de “Another Brick In the Wall (Parte I)” é uma meditação do legado do pai, e as cenas correspondentes à música no filme retratam as tentativas frustradas do pequeno Pink de conectar com genitor do sexo masculino. “When the Tigers Broke Free” é reprisada quando Pink descobre as coisas de Eric guardadas numa gaveta de um cômodo velho da sua casa, inclusive um uniforme do qual veste na frente do espelho. O flashback termina com “Goodbye Blue Sky”. Nessa seqüência Gerald Scarfe desenha uma águia gigante e preta, amarela e vermelha, uma referência ao Hoheitszeichen (“Emblema Nacional”), símbolo da Alemanha nazista. A ave predadora se transforma num “Deus da Guerra” infernal, saído de direto de uma pintura de Goya. A criatura rapidamente se transforma numa mistura de hangar e monstro metálico, da onde saem dezenas de milhares de caças alemães. Os frightened ones (“os assustados”) da letra são as crianças que eram obrigadas a por máscaras de gás durante os bombardeios da Luftwaffe às cidades inglesas. Tanto Roger Waters quanto Gerald Scarfe são asmáticos, e o último lembra vividamente da sensação de pânico e claustrofobia de usar essas máscaras.

“Happiest Days of Our Lives” relembra os abusos que Pink sofria na mão dos seus professores. “Tinha um monte de gente sórdida e sarcástica na escola, tentando controlar os garotos, colocando-os para baixo” disse Roger Waters numa retrospectiva sobre o filme. Humilhar alunos em sala de aula era um jeito útil de por a ordem no sistema educacional do pós-Guerra britânico. “Another Brick In the Wall – Part 2” são as vítimas indo à forra. O desenhista conta que no colégio se sentia um rato de laboratório, sendo empurrado num labirinto, sem a mínima idéia onde iria parar. A idéia de colocar as crianças numa esteira rolante e para dentro de um moedor de carne partiu de Gerald Scarfe. O moedor é o símbolo do que passamos na nossa fase de crescimento, os procedimentos empregados para moldar-nos num cidadão padrão, indistinto, porém aceitável para a sociedade de massa. Quando lançada, a música foi criticada por desmerecer a educação formal. “Another Brick In the Wall – Part 2” não é um ataque geral no sistema de ensino, Roger Waters teve de explicar; é um ataque num tipo específico de educação: aquela que reforça métodos punitivos para disciplinar o alunado...

Mother” examina três temas interconectados. O primeiro é o amor sufocante da mãe de Pink, obrigada a compensar a ausência do marido fazendo o papel dos dois. “Mother” revela também a confusão de Pink quanto ao papel da ex-mulher: ele a tratava como uma mãe substituta. A contraparte é o crescente distanciamento do casal, devido ao jeito introvertido, calado e seriamente dopado de Pink.

“Empty Spaces” é uma música sobre a despedida da infância e a passagem sofrida para a vida adulta. “O que faremos agora,” pergunta Pink, “para preencher esses espaços vazios?” Essa é a parte favorita de Roger Waters, o ritual de acasalamento selvagem entre duas flores. O sexo, imaginado e ilustrado por Scarfe, é a psicanálise quando adentra o psíquico no seu mais primitivo: o desenhista dá ares verdadeiramente diabólicos ao complexo de castração masculino. As mulheres desse universo cruel são representadas por uma galeria de arquétipos vilanescos, da mãe dominadora à amante sedutora e cruel.

Uma parede à base do consumismo e luxúria é erguida numa paisagem bucólica em “What Shall We Do Now”. A sombra da muralha corrompe tudo à sua volta, e no processo isola a humanidade de Pink. O seu progresso implacável esfacela uma catedral no meio, que é magicamente reconstruída como um templo de consumo. É difícil não enxergar aí um paralelo com o enfraquecimento das religiões tradicionais e a expansão agressiva dos cultos evangélicos e seus dízimos extorsivos. De “What Shall We Do Now” pulamos para “Young Lust”, a vida de sexo, drogas e rock ‘n’ roll que toda banda sonha ao cair na estrada. Pink, anestesiado, não está nem aí para os encantos das groupies e das substâncias legais-porém-ilegais. Pink externaliza todas as suas angústias “One of My Turns” onde destrói o seu quarto de hotel. O Roger verdadeiro nunca fez isso, mas conta que a letra da música é baseada nas façanhas infames dos bateristas do Led Zeppelin (John Bonham) e The Who (Keith Moon). Depois da fase de mania, vem a depressão: “Don’t Leave Me Now” trata da separação entre Roger e a sua primeira mulher. É também uma canção sobre co-dependência. O autor explica: “É como nós, que tivemos cedo a nossa identidade sexual e o nosso espírito esmagados, tendemos a nos definir através dos relacionamentos que desenvolvemos e não como indivíduos autônomos legítimos.” A próxima, “Another Brick In the Wall – Part 3”, recapitula algumas cenas do passado e faz um prognóstico do demagogo neonazi em que Pink brevemente se tornará. “Goodbye Cruel World” conclui a primeira parte do filme.

Is There Anybody Out There?” já mostra Pink completamente isolado dentro do muro. Ele tenta fazer sentido do caos com uma reorganização obsessiva-compulsiva dos escombros do quarto. Depois de terminar a sua estranha tarefa, Pink vai para o banheiro e raspa o peito, seguido da sobrancelha (só não rasparam a cabeça de Geldof porque ele não quis). Raspar os pêlos do corpo é um ritual de purificação em muitas culturas. Quando imposto por terceiros, no entanto, é uma forma de despersonalização. Esse é mais um episódio do filme inspirado pelo desequilíbrio emocional de Syd Barrett. Pink termina de passar a lâmina e, cortado e levemente ensangüentado, volta para a sua querida poltrona de TV. “Vera” e “Bring the Boys Back Home” retoma o tema da falta que Pink sente do pai que não o conheceu.

Comfortably Numb” é para Roger uma mistura de lembranças: uma crise grave de asma que teve na infância; um concerto desastroso na Filadélfia, nos EUA depois uma dose elefântica de tranqüilizantes; e uma volta ao conforto do útero materno. Pink é carregado do quarto pelos seguranças e começa a, literalmente, apodrecer vivo. É o sinal de que os vermes, metáfora retorcidas para decadência e podridão, são os novos donos da casa. Ele é enfiado numa limusine onde finalmente surta. Pink remove a sua carcaça podre e rósea e vira o ditador do “martelo e martelo”. Roger Waters explica essa metamorfose improvável como um comentário sobre a tentação de abuso de poder que alguns indivíduos possuem. É como disse o historiador britânico Lord Acton (1834-1902): “Todo poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente.” Em “In the Flesh” a metamorfose está completa. O que era apenas uma pergunta no começo – “In the Flesh?” – agora é uma afirmação, e a música volta com toda pompa e circunstância num arranjo orquestral. Vemos vários estandartes penduradas pelo hall do show / comício de Pink, com a insígnia dos dois martelos cruzados. Para Gerald Scarfe, o martelo é um “símbolo óbvio de opressão,” uma coisa “inexorável, esmagadora, irracional.”

Foi o eminente crítico musical americano, Lester Bangs, que disse uma vez: o rock tem um quê de fascista. A última parte do The Wall é justamente sobre isso. O Führer seduzia as massas com os seus discursos inflamados, apoiados pelos palanques neo-romanos e a iluminação cênica do arquiteto Albert Speer. O rock, num paralelo perturbador, surte um efeito parecido na platéia. É de se perguntar se o Pink fascista é uma projeção de Roger Waters: a sua reputação de ser uma pessoa difícil, o seu jeito preciso e controlador de fazer as coisas, e a sua atitude intransigente com os seus colegas de banda. A trajetória do The Wall é marcada por conflitos que apóiam essa interpretação: as brigas constantes com David Gilmour sobre a direção musical do grupo, a remoção de Gerry Scarfe dos créditos do roteiro, Alan Parker saindo puto da vida do set de filmagens por causa da interferência de Waters...

Run Like Hell” é a trilha sonora dessa Nuremberg rock ‘n’ roll, com uma ponta de National Front (o partido de extrema-direita da Grã-Bretanha). Para dar um toque de veracidade aos acólitos pseudo-fascistas de Pink, Alan Parker contratou 390 skinheads como extras. Isso gerou muita confusão, já que os carecas freqüentemente não seguravam a onda e batiam pra valer nas cenas de violência das quais participavam. Em “Waiting For the Worms” Pink marcha com a sua guarda pretoriana pelas ruas, berrando nos alto-falantes a sua mensagem de ódio e segregação.  A marcha hipnotizante dos martelos totalitários é o clímax dessa música.

“Stop” diminui o barulho dentro da cabeça de Pink e prepara o terreno para “The Trial”. O julgamento, com o seu clima de ópera Brechtiana, acumula os monólogos internos de Pink numa auto-avaliação radical que o deixa à beira da loucura. Aquelas criaturas que moravam nas brechas do “Muro” são convocados a comparecer no tribunal: a Mãe, a ex-Mulher e o Professor, mediados pelo todo-poderoso Juiz / Verme / Bundão. Depois de ser humilhado perante os seus pares Pink recebe a sentença: ele é condenado a ver o seu muro derrubado. Ok... E aí? O que vem agora? Tanto o álbum como o filme terminam numa incógnita.

Vinte anos após o disco, Roger Waters confessou que continuava confuso em relação ao seu próprio “Muro”, mas que a maturidade o fez perceber que ele podia “fazer a diferença”. The Wall termina com a imagem de crianças brincando no lixo; uma delas desarma um coquetel molotov na inocência, jogando fora o pano e despejando os conteúdos da garrafa na rua. Roger explica que essa cena é um olhar otimista para o futuro da humanidade, uma geração que rejeita e supera os erros da geração anterior. Ouve-se “Outside the Wall,” o recomeço de Pink, durante os créditos.

The Wall teve a sua grande estréia no Festival de Cannes, em 23 de Maio de 1982. A Britannia Row, responsável pelo áudio do Pink Floyd, substituiu o sistema de som do festival pelos subwoofers e PAs de palco da última turnê da banda. Os técnicos do grupo, é claro, botaram o volume nas alturas. Quando terminou o filme um Steven Spielberg atônito soltou um “Que porra foi essa?” para o presidente da Warner Bros, Terry Samuels, a cinco filas de Alan Parker. Pois é Steven, você não deve ter sido o único a perguntar isso no prèmiere. O ex-“Menino de Ouro” de Hollywood foi mais um dos milhares que perguntaram isso nas últimas três décadas depois de assistir The Wall. O filme é denso, pesado, angustiante, um blitzkrieg às nossas certezas e convicções pessoais. Por linhas tortas ele desenha uma porta, esquiva e incerta, uma abertura para uma melhor compreensão de nós mesmos.

Depois do The Wall, o filme, o Pink Floyd estava em frangalhos. Rick Wright estava definitivamente fora da banda e o The Final Cut (1983) foi praticamente um disco solo de Roger Waters. Roger pediu as contas em dezembro de 1985, crente que o grupo ia acabar com a sua saída. Ledo engano. No outono seguinte Waters entrou com uma ação legal contra Mason e Gilmour, numa tentativa de impedir os seus ex-companheiros de banda usassem o nome “Pink Floyd.” A partir daí os dois campos se tornaram inimigos mortais. Os réus acusavam o vocalista / baixista de ser um ditador megalomaníaco, e Waters por sua vez alegava que o lado oposto era um bando de preguiçosos e gananciosos que se apoiariam no Pink Floyd como garantia uma aposentadoria polpuda. Waters perdeu o processo, e a nova encarnação do Floyd lançou dois discos de estúdio: A Momentary Lapse of Reason (1987) e The Division Bell (1994), seguidos de dois discos ao vivo, Delicate Sound of Thunder (1988) e P.U.L.S.E. (1995). Roger Waters só voltaria a tocar com os seus ex-companheiros de banda no dia 2 de Julho de 2005 no Live 8, concerto para angariar fundos no combate da pobreza das nações africanas. Quem organizou o evento foi Bob Geldof, já um veterano do mega-festival Live Aid (1985). Rick Wright perdeu a batalha conta o seu câncer no dia 15 de setembro de 2008 de devido, sepultando qualquer possibilidade de uma futura reunião grupal.

De volta ao filme: The Wall foge do jeito hollywoodiano tradicional de contar histórias. Seu tom surreal e dénouement fragmentado intercalam, sem aviso, o quarto de hotel de Pink com as alucinações perturbadoras do protagonista. Sua trama não-linear confundia até mesmo o resto do grupo; eles não entendiam bulhufas da história do disco até verem o filme. The Wall é também um reflexo do clima tenso do Pinewood Studios, onde Parker, Waters e Scarfe formava um “triângulo odioso” de egos feridos, cada um mantendo o protecionismo criativo nas suas respectivas áreas de atuação.

The Wall foi o agente catalisador de uma mudança que marcaria profundamente Roger Waters, enriquecedora para milhões de fãs do Pink Floyd. Waters conseguiu, através de um auto-da-fé intrapsíquico, fazer uma reflexão lúcida sobre as neuroses e as ilusões de grandeza que corroem não só a vida de uma estrela do rock, mas também a do homem comum. Mesmo com o não-relacionamento entre as forças criativas do filme, as ilustrações de Gerald Scarfe, a direção de Alan Parker e a música do Pink Floyd fazem The Wall uma experiência inigualável.

Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.

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