Crítica: Eddie, o Ídolo (trilha sonora)

22 de setembro de 2011 2 Comente Aqui!

A ânsia por material inédito dos nossos artistas favoritos mexe com a nossa fome de colecionador. Imaginem só o quanto valeria hoje um disco de inéditas do Beatles, gravado no auge de suas carreiras? Seria o graal do pop. A enxurrada de discos lançados no nome de Jimi Hendrix na década de setenta atesta até onde vai a fissura dos colecionadores (e a ganância das gravadoras): The Cry of Love, Rainbow Bridge, War Heroes, Crash Landing, etc. São álbuns recheados com gravações inéditas feitas entre 1969 e 1970, raspadas do fundo do baú de Eddie Kramer, o engenheiro de som do guitarrista. O alvoroço circundando The Basement Tapes (1975) de Bob Dylan vem do mesmo lugar. Gravado oito anos antes, as fitas mostram o grande bardo do rock ‘n’ roll numa fase de transição, buscando suas raízes, se reinventando. Gravações piratas dessas sessões já circulavam há anos, e o Basement Tapes deu uma cara oficial ao empreendimento. Lembrem também do The Doors, que descaradamente lança todo ano um boxset com apenas uma música inédita.

Essa curiosidade arqueológica é o que move Eddie, o Ídolo Pop (1983). Eddie Wilson (Michael Paré) e os Cruisers eram a bola da vez no verão de 1963, embalados pelos hits “Wild Summer Nights” e “On the Dark Side” do disco de estréia, Tender Years. Tudo corria às mil maravilhas até que o saxofonista da banda, Wendell Newton (Michael Antunes), ter um “ataque cardíaco” (leia-se: overdose de heroína), aos 37. Abalado pela morte de Wendell e prevendo o clima de mudanças do final da década, Wilson escreve um álbum conceitual, A Season in Hell, um projeto ambicioso baseado no famoso poema de Rimbaud Uma Temporada no Inferno (1873). “Quero algo grande, que ninguém tenha feito”, explica Eddie. A gravadora do grupo, Satin Records, detesta o novo LP e se recusa a lançá-lo. Horas depois, na madrugada do dia 15 de Maio de 1964, o Chevy conversível de Eddie cai de uma ponte em Nova Jersey. Um acidente? Suicídio? No bom baianês, “quem souber morre.” A carreira promissora do Cruisers chega ao fim e o rock ‘n’ roll ganha mais um gênio incompreendido.

Vinte anos mais tarde, a repórter Maggie Foley (Ellen Barkin) discute com a redação da Media Magazine os buracos na versão oficial da morte do líder do Cruisers. O corpo de Eddie Wilson nunca foi encontrado, e um dia depois do acidente as fitas máster do segundo LP desapareceram. Seu sumiço estranhamente coincide com o de Arthur Rimbaud (1854-1891), cujas palavras inspiraram o segundo LP do Cruisers. Aos 21, Rimbaud despareceu da fase da terra e só ressurgiu depois de vinte anos num leito de hospital em Marselha, à beira da morte. O poeta cometeu “um suicídio de corpo e alma” após compor os versos de Uma Temporada no Inferno; será que Eddie deu uma de Rimbaud? Dá pra imaginar o furo de reportagem que seria se ele ainda estivesse vivo? Ou a emoção de ouvir A Season in Hell, dado por perdido por tanto tempo?

O diretor do filme, Martin Davidson, teceu na figura de Eddie Wilson três dos seus roqueiros favoritos. Um era Dion DiMucci, frontman do Dion and the Belmonts, um grupo de doo-wop que introduziu Davidson ao rock. O segundo foi Jim Morrison: dele o diretor quis extrair a poesia, a loucura, a aura de perigo. O modelo final para o nosso protagonista – e o mais evidente – foi o Bruce Springsteen. Para Davidson, “The Boss” resgatou a energia dos primeiros anos do rock ‘n’ roll sem perder as letras engajadas, herança do folk sessentista. Para dar conta da parte musical Davidson contratou John Cafferty, um velho conhecido de Springsteen dos tempos onde tocavam nos bares de Jersey.

Quando Eddie estreou a imprensa voou no pescoço de Martin Davidson. “Hollywood estava saqueando a magia da E Street Band”, disseram; e Cafferty era “um Bruce de segunda”. Até na formação os Cruisers imitam a banda de Springsteen, das camisas sem manga de Eddie Wilson até a inclusão de um saxofonista afro-americano na formação (“Eu estava meio que pensando em Clarence Clemons”, Davidson confirma).

Ah. Tem outra. Investigando a gênese de Eddie, o Ídolo Pop, chega-se à conclusão que o filme tem todos os contornos de um pesadelo Adorniano, um produto cultural planejado meticulosamente para fazer sucesso. A meta de Davidson e o produtor Joe Brooks era atingir a parcela do mercado adolescente que tivesse um interesse no ressurgimento dos anos 1960. O presidente da Lorimar, Larry Sugar, responsável pela distribuição internacional de Eddie, complementa: “Paré, no papel de Eddie, faz um protagonista com princípios. Ele se recusa a ‘se vender’ para o establishment musical.” Essa atitude anti-conformista fará que “o público jovem se identifique com o dilema de Eddie”, previu Sugar. Para a alegria dos cínicos, foi tanta maquinação pra nada. Eddie não encontrou uma audiência para seu drama de retro-inovação injustiçada, e a receptividade por parte dos setores especializados da imprensa foi nula, praticamente.

Ignorado pelo público e menosprezado pela crítica, Eddie, o Ídolo Pop teve uma segunda vida nos primórdios da TV a cabo. Canais como HBO, Showtime e a MTV inseriram Eddie na sua grade de programação e, de repente, a trilha do filme virou um fenômeno de vendas. Vários discos de platina no Canadá e nos Estados Unidos atestam o seu status de cult lá pelas bandas da América do Norte.

É certo que o forte de Eddie, o Ídolo não é sua originalidade e nem o seu enredo de filme B. Eddie se fez em cima da força de sua música, independente do demérito (para alguns) de sua mórbida semelhança com o heartland rock de Springsteen. Para a estupefação dos puristas do rock, o maquiavelismo de Brooks e Davidson nos deu um clássico da geração MTV. Vai ver que eles nem pretendiam isso. A meta era simplesmente ganhar muitos trocados a mais, ponto. Nada muito complicado.

Missão cumprida. Pontos para eles.

O Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem para mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.

2 Comente Aqui! :

  • Alexandre disse...

    Pô Silva eu e um camarada curtíamos mundo esse filme. Ele costumava passar em horários aleatórios de madruga numa rede local aqui de SP. Pelo menos por aqui pouca gente conhece...
    Cult.

  • Zé Felipe Sá disse...

    Pois é Alexandre, se é cult lá nos Estados Unidos, imagine por essas bandas. Pra você ter uma ideia, nem existe o DVD de "Eddie" aqui no Brasil. Tive de comprar um VHS no Mercadolivre pra ver o filme com as legendas originais... Uma pena, porque é uma produção com uma trilha sonora de alta qualidade!

 
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