Crítica: Delicatessen (França, 1991)

18 de agosto de 2011 2 Comente Aqui!


Clapet (Jean Claude Dreyfus) é o dono da delicatessen do título e também do imóvel em que ela se localiza, um prédio onde aluga os apartamentos para moradores bastante peculiares. Louison (Dominique Pinon) é um palhaço de circo desempregado que atende ao anúncio de Clapet em busca de um faz-tudo para o imóvel. 

Como diz Louison na sua chegada, são tempos difíceis. O imóvel parece ser o único traço de vida em uma cidade devastada, onde apenas pela presença do carteiro percebemos existir um mundo exterior. A escassez de comida é constantemente citada, principalmente a de carne, principal produto vendido na delicatessen de Clapet. Para os moradores, parece absurda a existência de uma suposta sociedade secreta nos esgotos da cidade, os Trogloditas, mas, não por viverem nos esgotos, e sim por serem vegetarianos.

A época em que se passa o filme não é definida, talvez um momento num futuro apocalíptico com cara de passado, que lembra muito o período da segunda guerra; referências a diversos períodos de tempo confirmam que os diretores buscam criar uma confusão de épocas no espectador.

Louison e Julie (Marie-Laure Dougnac), filha de Clapet, se apaixonam. Julie passa, então, a refletir o incômodo de saber a procedência da disputada carne que o seu pai vende na delicatessen: as pessoas que saem dos seus apartamentos durante a noite não voltam, o que aconteceu repetidamente com os desavisados faz-tudo anteriores.
Ao mesmo tempo em que incomoda com a insinuação de canibalismo, que é levada com extremo bom-senso, sem mortes em cadeia ou cenas sangrentas, o filme faz rir. Os diretores utilizam elementos de humor que parecem saídos de desenhos animados: uma dupla musical composta por um violoncelo e uma serra musical, garantindo uma música nonsense; um detector de mentiras; um canivete australiano; o conserto de uma mola da cama ruidosa.

Os personagens caricaturais e, de certa forma, surreais contribuem para a atmosfera deliciosamente absurda do filme: um velho maluco que vive num apartamento alagado repleto de rãs, onde cria escargots para se alimentar; a atraente amante de Clapet, interpretada por uma Karin Viard em início de carreira; uma família que não tem de onde tirar a própria sobrevivência e apela para medidas pouco ortodoxas; um casal refinado em que a esposa está sempre inventando as maneiras mais engenhosas para se suicidar; dois irmãos que se dedicam a fabricar caixas de madeira que imitam o som de uma vaca.
A imagem alaranjada contribui para a atmosfera de desolação passada pelo filme. A câmera está sempre em busca dos ângulos menos usuais, caminhando por lugares improváveis e com closes fechados de diversas perspectivas nos atores e objetos. Uma das melhores cenas do filme junta a estes ângulos pouco usuais uma edição cada vez mais rápida, que acompanha o aumento da freqüência dos ruídos que compõem a sinfonia dos barulhos das atividades realizadas pelos moradores.

“Delicatessen” (França, 1991) foi o primeiro longa-metragem da dupla Marc Caro e Jean Pierre Jeunet. Os diretores haviam dirigido em conjunto alguns curtas desde 1978 e já eram conhecidos por seu trabalho; o curta “Le bunker de la derinière rafale” (1981) foi um aclamado cult na França. Além de seu primeiro longa, “Delicatessen” é também indiscutivelmente a obra-prima da dupla de diretores, num fenômeno que não é incomum no cinema: o experimentalismo e a forte marca autoral, muitas vezes responsáveis pela grandiosidade do primeiro trabalho, se perdem ao que nos trabalhos seguintes os diretores passam a aderir mais ao mainstream. 

O universo nostálgico e obscuro, oscilando entre sonho e pesadelo – que lembrava o trabalho do diretor americano Terry Gilliam –, antes utilizado pelos diretores, foi sendo deixado de lado. Após rompida a parceria com Caro, Jeunet foi ao extremo do convencionalismo dirigindo “Alien – a ressurreição” e depois se redimiu com o cinema no belíssimo “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”.

2 Comente Aqui! :

 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...