Crítica: Contra Corrente (Contracorriente, Peru, 2009)

4 de agosto de 2011 2 Comente Aqui!

Em um povoado pesqueiro na costa do Peru, onde os habitantes são extremamente religiosos e vivem de acordo com suas rígidas tradições, Miguel (Cristian Mercado), um pescador respeitado em sua comunidade, é casado com Mariela (Tatiana Astengo), que espera o primeiro filho do casal. Santiago (Manolo Cardona) é um forasteiro indesejado e marginalizado pelos moradores do povoado. Pintor, está sempre tirando fotos para colocar nas telas as imagens capturadas.
O filme não se prolonga muito até que um fato seja revelado: Miguel tem um caso apaixonado com Santiago. Os habitantes do vilarejo têm fortes desconfianças sobre a homossexualidade do pintor, sendo este o motivo da sua marginalização. Isso faz com que Miguel evite a todo custo ser visto em sua companhia. O pescador é o real motivo da permanência de Santiago, um rapaz citadino, educado e de boa família, no povoado. Ele vive só – mora na casa em que costumava passar o verão com a família quando criança – à espera do momento em que Miguel irá assumir a sua própria homossexualidade e o relacionamento dos dois.
Mas, Miguel tem medo de ir contra a corrente. Extremamente católico, como todos no povoado, ele nega a sua condição, vê o homossexualismo como algo anti-natural e um pecado. O fato de ser respeitado pelos homens da sua comunidade o faz ter medo de ser marginalizado, como o pintor, se o relacionamento for descoberto. Além disso, ele ama a sua mulher e está encantado com a idéia de ter um filho.
A contracorrente (do mar), porém, vitima o seu amante. Miguel passa, então, a conviver com um Santiago que apenas ele vê, pois, segundo as tradições locais, o pintor não irá descansar enquanto o seu corpo não for encontrado no mar e tiver um velório apropriado (apesar de elementos fantasiosos serem facilmente criticáveis, neste caso foi muito bem colocado, pois esta era a crença do povoado de Miguel, como explicado pelas primeiras cenas do filme). Esta situação é extremamente confortável para o pescador, que agora pode fazer com o amante coisas que antes não sonharia, pois já não há mais o medo de ser visto em sua companhia. Desta maneira, Miguel consegue finalmente harmonizar o seu casamento com o seu relacionamento homossexual: ele nunca esteve tão feliz.
Entretanto, uma infeliz descoberta feita por uma moradora do vilarejo na casa do pintor desaparecido dá início a um rumor de que Miguel teria um caso com o pintor. Este fato gera um conflito interno no pescador, pois, ao mesmo tempo em que nega ser gay, ele quer tomar a atitude de um homem. Ele sabe que a atitude mais máscula a ser tomada seria assumir o seu homossexualismo e o seu amor por Miguel frente à sua comunidade e à sua esposa. Após tanto esforço para evitar ir contra a corrente, Miguel é confrontado com ele mesmo, com os seus medos que o impedem de tomar a nobre decisão que faria com que seu filho futuramente o olhasse com orgulho, por ter um pai digno de ser chamado de homem.
Contra Corrente (Contracorriente, Peru, 2009) é o filme de estréia do diretor peruano Javier Fuentes-Léon. O diretor utiliza o gosto por folhetins televisivos dos personagens como uma maneira de explicitar o modo como vivem. As novelas são mais de uma vez citadas pelos personagens e os moradores do povoado as assistem, gostam da ilusão passada por elas. Eles apreciam a idéia de viver mentiras para que nada perturbe a aparência ideal do seu mundo de verdades escondidas. Isso nos leva, finalmente, à essência do filme: Contra Corrente trata da verdade, de como muitas vezes a sacrificamos em prol da aceitação na sociedade da qual somos parte. E desta maneira sacrificamos um pouco de nós mesmos.
Contra Corrente é um filme bastante modesto e despretensioso que alcançou grande visibilidade internacional. Tendo ganhado os prêmios do público em importantes festivais (Sundance e Miami), Contra Corrente foi também o representante oficial do Peru para concorrer ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira em 2011. É um filme honesto, como chamam os enólogos os vinhos que cumprem o que se propõe, mas estão longe de serem extraordinários ou despertarem fortes sensações em quem os consome. Mais do que a tecnicidade ou a beleza dos seus cenários, na costa de Cabo Blanco, no Peru, o seu tema e a maneira como ele é abordado tiveram a empatia do público e foram responsáveis pelo seu sucesso.

2 Comente Aqui! :

  • Edison disse...

    Gostei muito do filme. A começar pelo título, contracorrente, mostrando não apenas a causa da morte do pintor, mas tb a completa situação de oposição/conflito que o pescador enfrenta durante o longa.
    Drama homossexual e espírita, com ótimas locações naturais (paisagens belíssimas do mar e da areia) e com boas, sensíveis e inspiradas interpretações dos protagonistas. Achei de impressionar como uma história tão inverossímel pode ser contada com tanta naturalidade e com situações e diálogos tão críveis. Considero ser mérito do diretor, dos atores e do roteiro.
    Também achei muito interessante a referência a novelas brasileiras, e a novela Direito de amar, e o fato do pescador ser noveleiro, mas o que, na verdade representava uma atração que o pescador tinha pelo ator brasileiro Lauro Corona. Rendeu alguns momentos curiosos!
    No final, contra minhas expectativas, o pescador cumpriu o papel de entregar o amante ao mar. Contra a corrente social, contra sua própria esposa, ele foi fiel a si mesmo, a sua sexualidade, uma coisa que ele não tinha coragem de assumir enquando o amante estava vivo. Bonito momento do filme, faz refletir sobre o qto somos influenciados pela sociedade, família, conceitos e pre conceitos.

 
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