Crítica: Apollo - Atmospheres & Soundtracks (trilha sonora)

12 de agosto de 2010 0 Comente Aqui!


Do final de 1968 a novembro de 1972, o homem pisou na Lua nove vezes graças ao programa espacial Apolo. Rigorosa e metódica, a NASA registrou todas as missões em rolos de 16mm. A partir de 1982, o jornalista Al Reinert vistoriou pessoalmente o equivalente a 183 km de filme na esperança de montar um documentário, expondo uma visão lírica sobre aquilo descrito uma vez como “...um pequeno passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade”. Depois de uma recepção morna numa exibição-teste nos cinemas em 1983, Reinert refez o filme, adicionando as reflexões dos astronautas gravadas em oitenta horas de entrevistas. Quando o projeto foi dado por encerrado, For All Mankind (1989) teve uma estréia bem-recebida, ganhando até mesmo o Oscar de melhor documentário em 1990. For All Mankind recaptura um pouco daqueles dias de glória da corrida espacial, soterrada por escândalos envolvendo fraldas, astronautas psicóticas e as tragédias da Challenger e da Columbia.

Reinert queria uma música que complementasse as imagens hipnóticas da missão Apolo, e por isso convidou Brian Eno para fazer a trilha do filme. O tecladista inglês fez o serviço com zelo. Eno tinha o desejo de representar, da melhor maneira possível, o aspecto “transcendente” da primeira viagem do homem à Lua. Na opinião dele, toda a estranheza daquele evento único foi estragada pelas primeiras transmissões ao vivo, por causa da narração esportiva da NASA (cala boca Galvão!) e pela qualidade chinfrim das TVs preto-e-branco de 1968.

Antes de continuar, queria falar um pouco sobre e Eno e sua grande invenção, a tal da ambient music. Brian Peter George St. Jean le Baptiste de la Salle Eno (!) começou sua carreira no Roxy Music, gigantes do glam rock britânico, e logo partiu para uma carreira solo. No início de 1975, Eno teve de ficar hospitalizado por meses a fio depois de sofrer um acidente de carro. Deitado ali, escutando a chuva abafar o som do disco na sua vitrola, Eno teve uma epifania. Descobriu que queria uma música que realçasse o ambiente, e não o distanciasse dele. Depois de se recuperar, Eno botou suas idéias em prática no álbum Discreet Music, o exemplo incipiente do que ele acabaria por chamar de ambient music.

As características básicas do ambient, segundo Eno, são a seguintes: ausência de ritmos definidos, ausência de vocais, conteúdo melódico instável e um senso de placidez e quietude. No ambient, assim como os outros subgêneros da música eletrônica, a “textura” é considerada essencial, tão importante quanto ritmo ou melodia. Mas Eno faz uma ressalva: o ambient music propõe, sim, uma atmosfera relaxada, mas não o suficiente para virar muzak, a infame “música de elevador”. (Pra quem ainda estiver na dúvida, o muzak são aquelas versões instrumentais sem sal de canções conhecidas, música de fundo para shopping centers e supermercados).

Antes que eu me perca, voltemos...!

Na cena da aterrissagem à Lua, ao som de “Under Stars”, Eno faz o seu sintetizador Yamaha DX-7 simular um efeito doppler, ao mesmo tempo transforma a guitarra de Daniel Lanois num baixo fretless. Essa faixa é retrabalhada com outros efeitos mais adiante (“Under Stars II”). Entre ruídos, gemidos guturais e ecos cavernosos, “Matta” e “The Secret Place” pintam o vácuo espacial como um lugar assombrado. Fazendo jus ao nome, “Signals” parece ter sido construída em cima de sinais de rádio e código Morse, cobertos por uma espessa camada sonora. “An Ending (Ascent)” é o canto gregoriano da era espacial, algo entre o sublime e o sintético. “Drift” – outra da qual o nome casa lindamente com a música – transmite a sensação de flutuar à deriva no infinito.

Depois de tanta abstração hi-tech, é engraçado ouvir a levada country no lado B do disco, a exemplo de “Weightless”, “Deep Blue Day” e “Silver Morning”. Country? Como assim? Eno explica: quando começou a compor a trilha, ele pediu uma lista das fitas K7 que os tripulantes da Apolo levaram durante as missões. Descobriu que a maioria era fã de Buck Owens e Merle Haggard, senhores do country cru e autêntico. Eno percebeu então uma ligação entre aqueles astronautas e os caubóis do Velho Oeste: os dois eram, na sua essência, desbravadores de fronteiras. Encerrando o disco, “Always Returning” e “Stars” dão andamento à veia ambient do lado A. “Always Returning” é um dueto entre um piano e uma guitarra pra lá de aloprada pelas técnicas da pós-produção de Eno, que vão desde fraseados em reverse até brincadeiras de pan com as harmônicas naturais executadas por Lanois. Apollo chega ao fim com os sons vacilantes de “Stars”.

Apollo continua a ser o melhor e mais influente dos trabalhos de Eno, a obra-prima do gênero que ajudou a criar. É o cúmulo de uma década de exploração sônica, um testamento ao poder de “usar o estúdio como instrumento”.

O Cinema Detalhado não disponibiliza links pra download. Se quiserem ouvir a trilha, mandem uma mensagem pra mim que eu a envio via e-mail. Obrigado.

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